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O Brasil se caracteriza por ser o país da provisoriedade em vários aspectos de sua existência institucional. As verbas para a saúde são provisórias, os impostos são provisórios e o governo governa por uma reedição infinita de medidas provisórias. Um dos lugares onde impera também uma provisoriedade quase absoluta é o da legislação eleitoral. A cada eleição é votada uma lei eleitoral específica, muitas vezes propondo normas exatamente contrárias às das eleições anteriores.
Este parece ser o caso da lei eleitoral deste ano no que se refere aos programas eleitorais gratuitos na TV. Nas eleições de 1994 estavam praticamente proibidas as tomadas externas, a presença de terceiros e a feitura dos programas se remetia basicamente aos estúdios e ao discurso monocórdico dos candidatos. Neste ano, a lei permite o oposto. Tudo está liberado. O toque novo dos programas de TV agora está na apresentação de comerciais. As propostas políticas estão sendo reduzidas a meros produtos de marketing. A política, que é essencialmente discurso e ação, vê-se reduzida a um tecnicismo despolitizante e ilusório. Através dos meios eletrônicos e de comunicação criam-se produtos artificiais, que bem lapidados pelos publicitários, são expostos nas TV com aparência de materialidades consistentes.
O colunista Elio Gaspari chamou devidamente a atenção no Estadão desta semana para o aspecto fantasioso de um destes produtos que está sendo apresentado na campanha de São Paulo. "O fura-fila do Celso Pitta visto na TV é, na realidade, um fura-cérebro, porque transporta o cidadão do mundo real para o da fantasia e o deixa lá. Como elemento de propaganda, é um sucesso. Como ingrediente de plataforma, uma precariedade. No futuro, poderá ser um fura-cofre", adverte Gaspari. Acredito que sua constatação pode ser generalizada para outros comerciais eleitorais e, inclusive, de outros candidatos em várias partes do país.
Se o objetivo da lei que cria o programa eleitoral gratuito no rádio e na TV é a exposição do candidato e o esclarecimento do eleitorado através da discussão das propostas programáticas, então, muitos dos atuais programas não estão observando o que reza a lei. Isto significa que a norma deve estabelecer mecanismos, com caráter mais permanente, para que o objetivo da lei seja garantido. Caso contrário, podem começar ter razão os que defendem o fim dos programas eleitorais gratuitos. Levando em conta o caráter público dos meios de comunicação e as consequências que as disputas eleitorais provocam sobre o poder público, a regulação dos programas eleitorais gratuitos deve resguardar ao máximo o cidadão de ser induzido a erro por mecanismos que produzem fantasias. A decisão do juiz eleitoral Dyrceu Cintra Júnior de proibir a propaganda do "fura-fila" tem o sentido de restaurar o espírito da lei que, de qualquer forma, carece de melhor regulamentação.
Um segundo aspecto do retrocesso da atual lei eleitoral diz respeito ao financiamento das campanhas. Em 1994, a lei estabelecia a exigência da identificação dos doadores de recursos, determinava limites para doações pessoais e a Justiça Eleitoral oficializava as doações através da emissão de bônus eleitoral. A lei eleitoral deste ano suprimiu todas estas formas de controle. Agora, o partido político simplesmente emite um recibo para as doações. Evidentemente, isto não favorece em nada a fiscalização, abre as portas para o abuso do poder econômico e para o desenvolvimento de negociatas escusas entre candidatos e setores da iniciativa privada. Já é público e estabelecido que o ovo da grande corrupção, praticada por governantes, é chocado no período das campanhas eleitorais. Os grandes financiadores exigem contrapartidas no momento em que o candidato é eleito. Foi por conta do descontrole nas doações de campanha que o Brasil passou, recentemente, pelas experiências traumáticas do impeachment de Collor e da CPI do Orçamento.
Cabe ainda fazer um registro sobre o surgimento de várias denúncias de uso generalizado das máquinas administrativas para favorecer candidatos a prefeito e vereador em várias cidades. Em São Paulo, estas denúncias constam quase que diariamente nas páginas dos jornais. Além da utilização de prédios, carros e serviços, a imprensa tem chamado a atenção para a manipulação eleitoral na inauguração de obras. Levantamentos estatísticos apontam para o crescimento dos gastos públicos em obras, nem sempre prioritárias, neste ano eleitoral. Comparativamente, as denúncias desta natureza foram bem menores em 1994. Isto indica um afrouxamento da fiscalização por parte da Justiça Eleitoral e demais órgãos de fiscalização e controle e a precariedade das leis para coibir estas práticas. De qualquer forma, é preciso que a opinião pública esteja alerta para impedir que os avanços moralizadores na administração pública conseguidos às custas de duas CPIs que causaram tanta perplexidade, não sejam anulados pela volta de velhos costumes.