1982-2002

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Fernando Henrique e o bom senso

O pensador alemão Max Weber definiu o senso de proporção como uma das três qualidades determinantes do homem político. "Senso de proporção" é aquele afastamento necessário dos homens e das coisas que o estadista deve permitir-se para poder compreender criticamente a realidade. Sem o distanciamento crítico, o político deixa-se arrastar peta torrente dos fatos e não consegue situar-se adequadamente no mundo que o cerca.

Tudo indica que o presidente Fernando Henrique perdeu o senso de proporção. O sinal mais evidente disso consistiu na comparação que ele fez de governadores ou do governador Itamar Franco (seu nome não foi explicitamente citado), a Joaquim Silvério dos Reis, conhecido como o traidor da Inconfidência. O uso dessa comparação não está a altura da dignidade e da isenção que se deve conferir à magistratura presidencial. O presidente, além de ser governante, é o chefe da nação e deve comportar-se como uma espécie de guia a árbitro dos embates políticos do país.

O discurso de Fernando Henrique jogou mais combustível na fogueira da crise entre União e estados e entre o presidente e alguns governadores. Os impasses federativos não são algo com os quais se possa brincar: envolvem disputas por direitos e podem acabar numa medição de forças. A tentativa secessionista do Rio Grande do Sul na Guerra dos Farrapos já expôs o significado desse tipo de conflito na história do Brasil. A Guerra Civil norte-americana que envolveu a questão abolicionista, a rigor, teve como origem uma disputa em torno de impostos entre a União e o estado da Carolina do Sul. A não ser que alguém queira trilhar o caminho da irresponsabilidade é melhor que as partes busquem o diálogo e a convivência.

O mais extraordinário no discurso de Fernando Henrique, pronunciado em Vitória (ES), consiste na dura cobrança que fez aos governadores para que façam o dever de casa. Mas, por acaso, ele fez a reforma fiscal e tributária e um rigoroso controle das contas públicas? É claro que os estados devem pagar suas dívidas e fazer ajustes administrativos. Mas é preciso compreender que muitos governadores herdaram uma situação caótica: folha de pagamento e décimo terceiro do funcionalismo em atraso, enormes dívidas de curto prazo, dívidas mensais com a União, receitas precárias etc. O tratamento que o governo federal deu aos casos mais graves, como parece ser o de Minas Gerais, foi inadequado e arrogante. Era razoável que a União desse um prazo de 60 a 90 dias aos novos governadores para que colocassem a casa em ordem e retomassem a regularidade e a normatização do pagamento das dívidas.

O presidente preferiu transformar os burocratas do Ministério da Fazenda em porta-vozes políticos para que desferissem ataques a governadores eleitos pelo voto popular como se esses mesmos burocratas detivessem um mandato qualquer. A retaliação com o bloqueio de contas contra o governo mineiro, por este ter decretado uma moratória de 90 dias, também não parece ter sido uma boa escolha para que advoga o entendimento. A moratória foi imediatamente classificada de calote e, com um comportamento eticamente injustificável, se tentou até mesmo pendurar a responsabilidade da crise do Brasil nos ombros de Itamar.

É a conduta do governo federal que precisa ser posta em juízo: ele autorizou a governadores em final de mandato a contratação de dívidas além da capacidade de pagamento dos estados. Essas autorizações, somadas a adiantamentos de receitas de privatizações, serviram para financiar a farra reeleitoral de muitos aliados do Planalto. A desastrosa condução da política econômica e a irresponsabilidade com as contas públicas levaram o governo federal., ai sim, a dar um monumental calote nas políticas sociais e até nas cestas básicas dos atingidos pela seca. Determinaram, não um calote, mas um confisco da sociedade e dos aposentados com o ajuste fiscal.

O que a sociedade espera tanto do presidente quanto dos governadores é a definição de uma agenda concreta de negociações para superar a crise. Não é possível que o país seja levado a um clima de confronto por um exercício retórico da arrogância ou da intransigência. O presidente precisa abandonar o fundamentalismo de que "o Brasil dará certo porque o governo está no caminho certo". Retornando ao bom senso, ele não pode continuar supondo que a vida é uma celebração à sua pessoa, como fez nos últimos quatro anos.

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