1982-2002

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Imunidade, sim. Impunidade, não

O Congresso Nacional vem arcando com sucessivos desgastes por conta da impunidade de parlamentares que cometeram crimes, abrigada no artigo 53 da Constituição, que estabelece o instituto da imunidade parlamentar. A rigor, a imunidade parlamentar remonta aos três principais eventos constitucionais que deram origem à tradição liberal e democrática moderna. Ou seja, ao Bill of Rights, que resultou da Revolução Gloriosa inglesa de 1688, da Constituição dos Estados Unidos de 1787 e da Constituição francesa de 1791. Embora com redações, nuances e abrangências espaciais e temporais diferentes, o instituto da imunidade, que foi sendo incorporado às Constituições dos diversos países, tem como fundamento a idéia de proteger e garantir a liberdade do exercício da função parlamentar.

No caso da Constituição brasileira de 1988, o instituto da imunidade é tão abrangente que garante a improcessualidade dos deputados e senadores para delitos cometidos antes e durante o exercício do mandato. Somente com a autorização da respectiva Casa um deputado ou um senador poderá ser processado. Seja pela demora das decisões sobre pedidos de processamento de parlamentares ou pelas manifestações de corporativismo dos pares nas decisões, o fato é que são pequenas as probabilidades de que um deputado ou senador venha a ser processado e julgado. Enquanto não ocorre a decisão pela Casa, o acusado é protegido e a impunidade se instaura pela via do decurso de prazo. No presente momento, existem dezenas de pedido de autorização para processamento.

Existem parlamentares acusados de assassinato, de prática de tortura, de improbidade administrativa, etc. É evidente que, aos olhos da opinião pública, essa é uma situação inaceitável. O Congresso já demorou demais para se ajustar às exigências de decência, probidade e moralidade.

Parece que, finalmente, chegou o momento de separar em definitivo a imunidade da impunidade. Dois projetos de emendas de revisão da imunidade estão tramitando, um na Câmara e outro no Senado.

No meu juízo, o projeto da Câmara é o mais adequado, pois o do Senado mantém o instituto da imunidade tal como ele vigora, definindo apenas o prazo de 120 dias para que a respectiva Casa se manifeste sobre o pedido de licença de processamento. O que deve mudar no instituto da imunidade? Em primeiro lugar ,deve ficar assentado que a imunidade se refere estritamente à proteção das funções de representação do mandato, que são as de representar o eleitor, fiscalizar, votar e se pronunciar. Essa proteção não se pode estender às atividades e manifestações particulares da pessoa do parlamentar. Ela não pode ser entendida como um privilégio do deputado ou senador, mas como uma garantia da liberdade e independência do exercício do poder legislativo. Sem ela se trinca o próprio princípio da independência dos poderes. A imunidade, em suma, protege apenas a pessoa política do representante, tanto do ponto de vista civil quanto penal.

A partir dessa definição, o parlamentar poderá ser processado por delitos cometidos antes e durante o exercício do mandato, não sendo mais necessária a autorização da Câmara ou do Senado, pondo um fim, assim, à improcessualidade para crimes comuns. A Câmara e o Senado, por iniciativa da Mesa ou de partido político, terão a prerrogativa de sustar o processo judicial no caso de este se revelar infundado ou originado a partir de uma armação qualquer. O projeto da Câmara requer também que o foro de julgamento do parlamentar seja o Supremo Tribunal Federal, pois deputados e senadores, nesse âmbito, têm status similar ao de ministros e do chefe de Estado. No caso de abertura de processo, o STF deverá comunicar à respectiva Casa após a instauração da ação penal. A condenação judicial de um parlamentar deverá implicar automaticamente a perda do mandato.

O fim da improcessualidade para crimes comuns não retira nem da Câmara nem do Senado a prerrogativa de julgar e cassar mandatos e direitos políticos de parlamentares por quebra de decoro parlamentar.

No juízo do decoro, o que está em jogo, essencialmente, é a conduta. Na quebra de decoro pode estar implicado um crime, mas não necessariamente. O cometimento de um crime já é em si uma quebra de decoro, podendo implicar a cassação do mandato e dos direitos políticos. O crime, por sua vez, deve ser julgado pelo Judiciário. Essa distinção entre decoro e delito e entre instâncias de julgamento nem sempre é óbvia para o leigo. Por isso, é preciso ficar claro que, se o Congresso tem o poder de cassar mandatos, isso não significa que possa mandar alguém para a cadeia. Essa prerrogativa pertence ao Judiciário.

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