1982-2002

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Governo, mercado e sociedade

A forma como os governos de países emergentes - inclusive os do Brasil a partir de Collor - vêm operando nos últirnos anos recoloca em discussão alguns aspectos doutrinários sobre a função do Estado. A doutrina neoliberal fonte derivadora dos receituários governamentais, na sua expressão mais pura, pugna por uma redução da atividade estatal a alguns papéis básicos tais como: legislar e arbitrar, garantir contratos, saúde e educaçao básicas e segurança interna e externa. A atividade econômica deveria ter um curso livre das determinações estatais e governamentais.

Não se trata aqui de fazer uma análise das consequências desse tipo de programa. Questiona-se se a aplicação do receituário radical do liberalismo permanece coerente com seus princípios ou se por trás da pregaçao não se está favorecendo um setor específico do capital justamente através da intervenção do Estado.Esta última hipótese colhe evidências cada vez mais comprobatórias.

A política de estabilização econômica aplicada a partir do Plano Real obedece, a grosso modo, a seguinte lógica: partiu-se da constatação de que o problema crônico do Estado nas últimas décadas era o do financiamento público ou da crise fiscal. A forma como os governos financiavam o Estado consistia na emissao de moeda, principal alavanca do processo inflacionário. Os formuladores do Real, municiados por análises de economistas americanos, constataram que havia outra forma de financiar o Estado capaz de proporcionar também o controle da inflação. No final dos anos 80 e início dos 90 percebeu-se que havia grandes estoques de capitais financeiros disponíveis no mercado internacional. Tratava-se de atrair esses capitais contraindo empréstimos através da emissão de títulos públicos remunerados a altas taxas de juros. O Real nasceu como uma moeda forte e as máquinas da Casa da Moeda pararam, mas a emissão de títulos adquiriu uma velocidade espantosa e a dívida pública pulou, em quatro anos, de R$ 60 bilhões para R$ 400 bilhões.

A partir disso, o Estado e o governo se tornaram prisioneiros de seus credores. A prioridade da ação governamental centrou-se em honrar os compromissos com o capital especulativo. Ou seja, na medida em que os indicadores internos de descontrole fiscal e de desequilíbrio nas contas externas sinalizavam riscos para os investidores, as ameaças e as retiradas efetivas de capitais exigiam ações do goveno para atraí-los e retê-los. Nos primeiros movimentos da crise, a elevação dos juros tornou-se a praxe para atender as exigências do capital financeiro. Com isso mudou-se o próprio conceito de governo. O governo deixou de ser o agente do bem público comum, o mediador dos interesses sociais, para tornar-se o atendente das chamadas "expectativas do mercado". Toda a ação governamental passou a ser determinada pelos interesses de mercado. Se as "expectativas do mercado" não são atendidas o dólar sobe, a bolsa cai e os capitais fogem do pais.

No que consistem as "expectativas do mercado"? No essencial, elas dizem respeito às ações do governo voltadas para garantir o pagamento das dívidas e de seus serviços, os juros. Assim, o mercado, que não é o mercado em geral, mas os especuladores do capital financeiro, exige que aprove a CPMF, que se tribute os inativos, que se controle o salário mínimo, que se demita funcionários públicos, que se aumente os impostos etc, não para investir na saúde e na educação, não para melhorar o gerenciamento da Previdência e da Administração pública, mas para que o Estado tenha uma situação fiscal adequada capaz de impedir a moratória e honrar seus compromissos com os credores. O governo e o próprio Congresso perderam sua autonomia política e sua essência representativa da sociedade. Passaram a agir subordinados ao mercado. Este, por sua vez, interfere cada vez mais no govemo. Não só condiciona decisões, mas passa a exigir oporadores seus no governo, particularmente na equipe econômica e no Banco Central.

Para atender as "expectativas do mercado" seus agentes exigem que se corte as cestas básicas, que se reduza os investimentos em políticas públicas e que se diminua o Estado. Esses agentes moram em condomínios de luxo, são donos de carros blindados, de helicópteros e de jatinhos. Auto-segregados, estão a salvo da violência crescente, não percebem a existência da miséria, dos menores abandonados e do desemprego. São os Albertos Cacciolas, os Eduardos Modianos e tantos outros anônimos agentes nacionais a estrangeiros que erguem e quebram bancos, deixam seus clientes no prejuízo, mas mesmo assim operam ou saem da operação com o seu patrimônio particular multiplicado. É verdade que Estado e a Previdência têm problemas de gerenciamento e de financiamento e que necessitam de reformas. Mas o que vem sendo feito não equaciona os problemas. Fazer caixa para atender as "expectativas do mercado" tornou-se a principal diretriz governamental.

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