1982-2002

Artigos | Projetos | Docs. Partidários

Versão para impressão  | Indicar para amigo

Artigos


A privatissauro

As falanges neoliberais costumavam estufar o peito para classificar as empresas estatais como dinossauros. Criticavam sua ineficiência na prestação de serviços e na gestão administrativa, sustentando que o único remédio para ambos os males seria a privatização. Muitos dos maiores privatistas esqueceram-se que boa parte das estatais foi criada sob o regime militar, justamente quando eles estavam no poder. O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso como um todo abraçou a tese da privatização sob o argumento de que o poder público não tinha recursos para investir na modernização dos serviços e de que o dinheiro arrecadado com a venda das estatais seria empregado para abater parte da dívida do país. Reiteradamente, o presidente e ministros, em seus empolgantes pronunciamentos, prometeram que o leite e o mel da eficiência haveriam de jorrar pelos nossos telefones e de escorrer pelos fios da rede elétrica.

Passados razoáveis meses depois das privatizações, os consumidores estão percebendo que a vida em termos de serviços está muito mais amarga. Na área da energia, o brilho prometido transformou-se em sucessivos apagões localizados para mergulhar, finalmente, mais da metade do país numa imensa escuridão no último dia 11 de março. Culpou-se o raio. O raio até pode ter iniciado o processo, mas por si só não seria capaz de derrubar todo o sistema de fornecimento do Sul e Sudeste, como indicam muitos técnicos. A verdade é que ocorreram falhas operacionais graves, que devem ser debitadas à empresa privada Operadora Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Outra verdade é que a transmissão de energia elétrica no Brasil enfrenta deficiências estruturais agudas. Por erros de estratégia dos sucessivos governos, inclusive o de Fernando Henrique Cardoso, a área de transmissão de energia nunca foi prioridade. Investiu-se em usinas megalômicas, que custaram oito ou dez vezes mais que o valor inicial calculado e que se transformaram em sumidouros do dinheiro público. Temos, assim, um sistema de transmissão inconfiável que precisa de R$ 30 bilhões de investimentos até o ano de 2001, dinheiro que, obviamente, o governo não tem. Corremos, portanto, o risco de novos apagões que podem provocar imensos prejuízos para consumidores e para a economia.

Já as vozes límpidas e retumbantes que haveriam de ecoar pelos telefones transformaram-se, freqüêntemente, em enigmática mudez ou em estranhos ruídos. As empresas privatizadas não estão cumprindo nem os contratos de instalação de novas linhas, nem as promessas assinadas nos atos de concessão de investimentos em melhorias na infraestrutura. O telefones dos usuários ficam mudos horas e até dias sem que haja qualquer explicação convincente. Os serviços de solicitação de auxílio ou reparo, como o 103 e 104, tornaram-se inacessíveis. Esses problemas estão ocorrendo em todo o país, mas pelo volume de reclamações, a situação mais grave é a de São Paulo, onde a telefonia é operada pela empresa espanhola Telefonica.

As agências reguladoras como a Anatel e a Aneel tornaram-se verdadeiros cartórios burocráticos, auxiliares das empresas privatizadas. Não têm o poder de garantir o cumprimento dos contratos, de fiscalizar, de multar ou de dar satisfações às reclamações dos consumidores.

Repetiu-se, com as privatizações, a mesma história de sempre: no Brasil, o Estado está a serviço de uma elite privada que patrocina um capitalismo da pior espécie. Um capitalismo predador, espoliador e exclusivo em termos sociais.

Privatização tornou-se sinônimo de novo patrimonialismo, aquela velha prática que utilizava o poder público para constituir fortunas particulares. Nas privatizações utilizou-se dinheiro do BNDES (público) para financiar a venda de empresas públicas para particulares. Os juros são bem mais generosos daqueles cobrados por instituições de crédito privadas. Algumas estatais foram vendidas a prestações cotadas em reais. Com a desvalorização da moeda nacional, as perdas nas prestações vencidas e a vencer em 1999 são significativas. Além de perder patrimônio, o Brasil não abateu sua dívida. E na medida em que a remessa de lucro das empresas estrangeiras é livre, após no máximo cinco anos, todo o dinheiro que elas investiram no país poderá Ter saído na forma de lucro. As privatizações, tal como foram feitas, tornaram-se uma gigantesca Privatissauro.

Quero enfatizar, como já fiz em várias ocasiões, que o problema das privatizações não é ideológico. Trata-se de uma questão de concepção e de modelo. Ou seja, um modelo adequado de privatização deveria garantir, em primeiro lugar, o acesso universal dos serviços aos cidadãos. Em segundo, qualidade. O modelo adotado preferiu garantir o lucro das empresas deixando o consumidor desprotegido e abandonado à própria sorte. Junto com o governo, o Congresso é responsável por isso. Aprovou uma lei geral das privatizações em que ele mesmo abriu mão das prerrogativas de definir as normas reguladoras e a política tarifária na prestação dos serviços. O fracasso do atual modelo de privatização aponta para a necessidade de restaurar o debate sobre o tema com vistas a aprovar uma nova lei que garanta, no mínimo, eduas prerrogativas: o poder do Congresso de baixar normas relativas às áreas de prestação de serviços e o direito dos consumidores de fiscalizarem os serviços através de conselhos.

Busca no site:
Receba nossos informativos.
Preencha os dados abaixo:
Nome:
E-mail: