1982-2002

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Medidas Provisórias e a Constituição

A Câmara dos Deputados deverá votar em breve a tão esperada regulamentação do uso da medida provisória, instrumento que os presidentes da República vem utilizando em excesso para legislar sobre amplo leque de matérias. A base da votação será uma emenda aglutinativa de várias propostas de emendas que tramitavam na Câmara.

Sobre alguns pontos já há consenso entre a base governista e a oposição. Mas sobre outros existem significativas divergências, que exigem aprofundamento do debate e da negociação para se chegar a um texto o mais consensual possível.

O consenso abrange dos pontos muito significativos. O primeiro diz respeito à limitação da reedição das medidas provisórias (MPs). Como se sabe, atualmente o governo pode reeditar indefinidamente uma MP, agregando-lhe até mesmo pequenas modificações, mas mantendo o conteúdo principal. Pela emenda constitucional em tramitação, a MP terá validade de 60 dias. Nesse tempo, o Congresso deverá pronunciar-se sobre ela. Se o Congresso não a apreciar nos 45 dias subseqüêntes à edição, a MP sobrerrestará a pauta, passando a ter prioridade. E, se mesmo nos 15 dias restantes não for votada, ela será prorrogada por mais 60. Ao término desse prazo, não poderá ser reeditada e perderá a eficácia, cabendo ao Congresso regulamentar os efeitos de sua vigência.

O segundo ponto sobre o qual há acordo se refere a vedação material das MPs ou à restrição de sua abrangência. Isto é, as medidas provisórias não poderão incidir sobre matérias relativas a direitos de cidadania, ao direito penal, processual e civil, a planos plurianuais e créditos suplementares, a matérias de competência exclusiva do Congresso Nacional. Quando a emenda constitucional das MPs tramitava no Senado, o governo introduziu nela um dispositivo, abrindo a possibilidade do uso do decreto presidencial para legislar na área administrativa no que diz respeito à organização e funcionamento administrativo, quando não implicar aumento de despesa e quando não se tratar de criação ou extinção de órgãos públicos. Para a oposição, não se trata de impedir a instituição do decreto presidencial. Ocorre que ele está sendo regulamentado numa emenda que não tem relação com o assunto.

A divergência mais aguda que surgiu no debate sobre a regulamentação das MPs reside na proposta do governo de modificar o artigo 246 das disposições constitucionais gerais, que proíbe a edição de medidas provisórias para regulamentar artigos da Constituição modificados por emendas constitucionais. O governo aceitaria a limitação para as emendas constitucionais já aprovadas, mas reivindica o direito de regulamentar por MP as futuras emendas.

Observe-se que estão tramitando no Congresso ou entrarão em tramitação emendas de suma importância, tais como as da reforma fiscal e tributária, do pacto federativo, do sistema financeiro, da propriedade dos meios de comunicação, da segunda geração da reforma da Previdência, etc.

Qual é a implicação da mudança proposta pelo governo? Em primeiro lugar, alarga-se a abrangência do conceito de urgência e relevância para justificar o uso de MPs. Se a MP, por definição, é uma ação cirúrgica num momento emergencial, é inaceitável que ela incida sobre dispositivos alterados da Constituição. Por outro lado, o caráter provisório das MPs cria uma instabilidade legislativa. Essa instabilidade será ainda mais grave se atingir dispositivos constitucionais.

Permitir que as MPs possam regulamentar emendas constitucionais representa a cassação de mais uma prerrogativa do Congresso e o aprofundamento da lógica do fato consumado. Ocorre que uma MP, quando editada, cria efeitos imediatos, produzindo uma tendência à sua aprovação. Ou seja, é como se se colocasse uma corda no pescoço do Congresso, constrangendo-o a aprovar as MPs. O governo poderá utilizar o artifício de aprovar nas emendas constitucionais apenas princípios gerais, requerendo para si o direito de detalhar a materialidade das reformas e mudanças pela via das medidas provisórias.

Em 1990, o senador Fernando Henrique Cardoso, ao criticar a enxurrada de MPs que o governo Collor editava, dizia o seguinte: "Câmara e Senado nada mais fazem do que apreciá-las aos borbotões.(...) É certo, porém, que seja qual for o mecanismo, ou o Congresso põe um ponto final no reiterado desrespeito a si próprio e à Constituição ou, então, é melhor reconhecer que no País só existe um 'poder de verdade', o do presidente. E daí por diante esqueçamos também de falar em 'democracia'." Ao querer alargar a abrangência das MPs, de duas uma: ou o presidente quer, de fato, que se esqueça o que ele escreveu ou cultiva agora um desapreço pela democracia.

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