1982-2002

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A Ford e a Federação

Parcela da opinião pública pode estar se perguntando sobre a lógica da ação do governo gaúcho, de Olívio Dutra (PT), de buscar a revisão do contrato de instalação da Ford no Estado, assinado pelo governo anterior de Antônio Britto. A indagação faz sentido, ainda mais num momento de desemprego agudo. Como se sabe, ante a posição do governo do RS de renegociar as condições do contrato, a Ford desistiu de instalar a fábrica.

Mas uma análise realista do contrato original permite concluir que Olívio Dutra tem toda a razão em revê-lo. A contraproposta que ele apresentou mostra que a Ford agiu sem nenhum limite de razoabilidade ao não aceitá-la. O contrato original previa que o BNDES financiaria R$ 560 milhões e o Estado entraria com R$ 440 milhões para a implantação da montadora. Destes, R$ 210 milhões seriam para o financiamento (emprestados à Ford), com cinco anos de carência e dez anos para amortização, a juros de 6% ao ano sem correção monetária. Os outros R$ 230 milhões seriam totalmente doados à Ford pelo Estado para obras de infraestrutura. Desse total, R$ 42 milhões já foram liberados. A imprensa informou nos últimos dias que a Ford aplicou apenas R$ 6,5 milhões na obra de infraestrutura, desviando o restante para outras finalidades.

A contraproposta do governo estabelece as seguintes condições: 1) o Estado entraria diretamente com R$ 196 milhões distribuídos entre obras e empréstimos mantendo, inclusive, os R$ 42 milhões já liberados; 2) outras esferas do Estado e a iniciativa privada local participariam com R$ 131 milhões em obras de infraestrutura; e, 3) restariam R$ 113 milhões, que seriam investidos pela própria Ford. É preciso registrar ainda que o projeto total prevê renúncias fiscais do Rio Grande do Sul na ordem de R$ 3 bilhões. Mesmo nestas condições, o Estado teria que fazer um enorme sacrificio financeiro dada a conhecida situação de falência das finanças dos estados. Certamente, áreas sociais como educação, saúde e segurança pública seriam afetadas. Sob todos os pontos de vista, a proposta é altamente favorável à Ford. Mas a sua intransigência, a arrogância e o descompromisso com a realidade social do Brasil e do RS fez com que a empresa a recusasse.

O que está em jogo no caso da Ford são três questões das mais relevantes e recorrentes na história política do Brasil. A primeira está relacionada à irresponsabilidade de governantes - no caso Antônio Britto -

com as finanças públicas, em dois sentidos: comprometem a situação fiscal do poder público além dos limites toleráveis e promovem enormes renúncias fiscais e fazem generosas doações de dinheiro público para o grande capital privado, industrial e financeiro. Prática semelhante à do Banco Central que doou R$ 1,5 bilhão aos bancos Marka e FonteCindam. A história do Brasil está coalhada de exemplos desse tipo. Em contrapartida, faltam recursos para as mais elementares necessidades sociais.

A segunda questão está relacionada à tradição predatória e patrimonialista do desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Esta tradição remonta às raízes históricas da nossa formação econômica e social. Em conluio com autoridades irresponsáveis, parte significativa do grande empresariado apropria-se de recursos públicos para viabilizar seus empreendimentos. Quebra-se com isso todas as regras da salutar concorrência desenvolvendo-se o nefasto capitalismo sem riscos e de privilégios. O retorno social que esse tipo de capitalismo promove, em termos de empregos e de arrecadação tributária, é muito inferior às doações, aos incentivos e aos lucros que amealha.

Por fim, há a questão do federalismo. Hoje os estados estão empenhados numa destrutiva guerra fiscal para atrair investimentos e instalações de novas empresas. As doações de recursos públicos e as renúncias fiscais que promovem estão causando incalculáveis prejuízos às respectivas populações. É sob o gordo lombo da guerra fiscal que cavalga o capitalismo sem riscos e que se alavancam as perdas dos estados a patamares insustentáveis. Veja-se, por exemplo, que a criação de um novo emprego custa hoje na Zona Franca de Manaus cerca de R$ 150 mil. Pelas condições originais do contrato da Ford no RS, um novo emprego demandaria o investimento de R$ 300 mil. É a partir deste quadro que podem ser classificadas de inescrupulosas as ofertas que outros estados fizeram à Ford no momento em que ela estava empenhada numa queda-de-braço com o governo gaúcho.

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