1982-2002

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Biografia e corrupção

Adotando uma evidente postura defensiva, o presidente Fernando Henrique Cardoso, na convenção do PSDB, realizada nos dias 13 e 14 de maio, declarou: "não joguem lama no PSDB. O PSDB tem as mãos limpas". De fato, de modo geral, o PSDB é constituído por homens e mulheres da mais séria e inatacável conduta moral do ponto de vista individual. Inclusive, o próprio Fernando Henrique. A única denúncia envolvendo diretamente o seu nome, o chamado "dossiê Caribe", até agora vem se mostrando uma montagem. Mas é preciso advertir que o problema da corrupção, o problema da postura ética no trato da coisa pública, não se reduz à questão de se tal ou qual político auferiu vantagens materiais por desvio de conduta na administração ou na atividade política. Diz respeito também à postura do governante em relação ao destino dos recursos públicos e em relação à corrupção de terceiros. É nesse sentido que a lama da corrupção está manchando tanto a biografia do presidente quanto à postura do PSDB.

Analisa-se o comportamento sutil de FHC e do PSDB no caso das CPIs. Uma das várias tentativas do Governo de abafar as investigações da CPI dos bancos consistiu em contrapor os trabalhos da Comissão aos da agenda normal do Senado e do Congresso. O presidente Fernando Henrique sustentou que o Congresso deveria se ocupar de uma agenda positiva e vários parlamentares governistas argumentaram que a CPI estava investigando "o passado". Além de argumentação mal-intencionada, tratou-se de uma forma ingênua de tentar levantar uma indisposição da opinião pública contra os trabalhos de investigação dos escândalos da doação de dinheiro público aos bancos Marka e FonteCindam e dos ganhos extraordinários que alguns bancos obtiveram com a desvalorização do Real.

Um levantamento pregresso prova que não há como negar que o governo de Fernando Henrique especializou-se em impedir investigações sobre denúncias de corrupção que o envolve. Foi assim com o Proer, com o caso Sivam, com a denúncia da compra de votos na reeleição, nos favorecimentos do BNDES a determinados grupos nas privatizações, etc. Se a biografia política do atual Governo já estava comprometida pelo desastre econômico e social a que conduziu o Brasil, agora está manchada pelas corrosivas denúncias de corrupção.

As tentativas do Governo de impedir CPIs e de limitar o alcance e o tempo das investigações representam uma inaceitável ingerência do Poder Executivo nas prerrogativas do Congresso e fere as próprias determinações constitucionais. A Constituição garante ao Congresso não só a função legislativa, mas também a de fiscalizar o Executivo. Uma das formas mais eficazes de fiscalizar o Governo é instalando CPIs quando as denúncias são relacionadas a fatos determinados e graves. É esse papel fiscalizador que vem se tentando cassar do Congresso, decepando-lhe um de seus principais instrumentos de ação. Na verdade, está se cassando um direito do cidadão, do eleitor, que tem no seu representante parlamentar um meio de fiscalizar e controlar o governo. O viés autoritário das operações de "abafa" das investigações patrocinadas pelo governo é indiscutível. É de se lamentar, inclusive, que presidentes das casas legislativas e integrantes das CPIs aceitassem adentrar aos palácios do Governo para discutir os rumos das investigações. Aos olhos da opinião pública, isso representa um ato de subserviência aos desígnios do Planalto.

Além do mais, a pauta de votações do Senado não foi afetada pelos trabalhos das CPIs. As comissões funcionam fora do horário normal das sessões plenárias. Por outro lado, o Governo não tem moral para cobrar do Congresso agilidade nos trabalhos. Em primeiro lugar, porque o Congresso aprovou quase tudo o que o Governo solicitou. Em segundo lugar, porque quem está em falta com a sociedade é o Governo: um Governo que multiplicou a dívida pública em sete ou oito vezes sem fazer investimentos, que proporcionou a perda de 100 bilhões de dólares na crise financeira atendendo os especuladores, que patrocinou a adoção de recursos públicos a bancos quebrados em detrimento da saúde e da educação, que promoveu um vasto desemprego (o maior da história) e que arruinou vários setores da indústria, da agricultura e do comércio. Um Governo, acrescente-se, que facultou uma enorme destruição de instrumentos e meios de ação do Estado e não construiu nada em troca. Trata-se de um Governo que age pela prepotência e pela insensibilidade, que não aceita sugestões e diálogos e que comprometeu o futuro das novas gerações.

A pergunta que precisa ser feita é: de que forma e para quem Fernando Henrique e os partidos que o apoiam estão governando? De agosto do ano passado até janeiro deste ano, o Governo gastou 42 bilhões de dólares das reservas cambiais. Queimou mais 66 bilhões de dólares na aposta que fez no Real contra o dólar. Em quatro anos, fez saltar a dívida pública de 50 bilhões para 400 bilhões de reais. Nenhum outro país que entrou em crise perdeu tanto. Quem foram os beneficiários dessas somas espantosas? A sociedade, certamente, não foi. Pagou, está pagando e pagará essas perdas. Por mais honestos que sejam individualmente, os governantes não conseguirão livrar-se do peso desse desastre econômico, social e ético. A "res publica" foi violentada no seu sentido e uso para o bem comum e coletivo da comunidade. Transformá-la em imensa riqueza acumulada por alguns poucos constitui uma das mais agressivas formas de corrupção da República.

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