1982-2002

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Real: nada a comemorar

No seu quinto aniversário, o Real como plano econômico acabou. O que resta dele é apenas a moeda hoje depreciada em relação ao seu charme exibicionista de equivalência com o dólar que o governo artificialmente lhe conferiu. O breque na inflação e a valorização da moeda, fatores amarrados com as grossas correntes dos juros altos, permitiram ao governo proferir o orgulhoso discurso de que o Brasil havia ingressado numa era de estabilidade, de bem-estar, de alívio para a pobreza, de abundância e prosperidade. Cavalgando o discurso milenarista da nova era, o presidente Fernando Henrique conseguiu eleger-se uma primeira vez, em nome da continuidade do millenium arrancou do Congresso a aprovação da reeleição e pregando contra um suposto apocalipse obteve um segundo mandato. O Plano Real revelou-se uma indústria que possibilitou extraordinário faturamento político.

No início, de fato, as pessoas experimentaram uma sensação de riqueza. Os setores de baixa renda tiveram as perdas inflacionárias estancadas, a comida tornou-se relativamente acessível e o frango foi elevado à condição de símbolo dos novos tempos. Mas logo, logo, o millenium revelou-se precário. Reduziu-se a um biênio ou no máximo a um triênio. Mesmo assim, o discurso da promessa da abundância continuava: afinal de contas, o governo estava no rumo certo. Se as coisas não funcionavam perfeitamente bem era porque alguns atrapalhavam e porque outros eram derrotistas, fracassomaníacos, beócios e atrasados.

Mas do ponto de vista da realidade efetiva das coisas, o Real era uma fantasia. Talvez o aspecto mais relevante dessa fantasia seja aquele que o consultor Antoninho Marmo Trevisan vem chamando a atenção com insistência: a sensação de riqueza foi sustentada por um processo de endividamento que hipoteca o futuro das novas gerações. Ou seja, no início do governo Fernando Henrique, a dívida mobiliária era de R$ 60 bilhões. Hoje ela é de cerca de R$ 400 bilhões. O governo argumenta que essa dívida, comparada com os outros países e com o PIB, é relativamente pequena. Trevisan mostra, também comparativamente, que ela foi feita num tempo curto - quatro anos - e que se trata de uma dívida meramente financeira. Isto é, trata-se de uma dívida que foi feita para cobrir déficits públicos e para pagar juros. Ela não representou nenhum investimento em ativos reais, como infra-estrutura etc., ou humanos, como educação e saúde. É como se alguém tivesse solicitado um empréstimo de R$ 40 mil a juros altos para comprar uma casa e os tivesse gasto para pagar dívidas anteriores, para pagar juros, para comprar alimentos e promover festas. No final das contas essa pessoa não terá o usufruto do bem, a casa, e continuará se endividando para saldar o empréstimo e os juros. No caso do governo, paga-se por ano de R$ 80 bilhões a R$ 100 bilhões só de juros ou cerca de 12% do PIB. Dificilmente, qualquer esforço fiscal será capaz de fazer frente a essa sangria.

O que o governo mais celebrou nesse período foi a queda da inflação. Mas os números da inflação precisam ser analisados num contexto mais amplo da economia:

Ano

Inflação

PIB

Atividade Econômica

Desemprego/

IBGE

Déficit comercial

9523,17%

4.22

1.8

5%

U$ 3.4 bilhões

9610,04%

2.88

1.7

5.8%

U$ 5.5 bilhões

974,82%

3.68

3.9

6.1%

U$ 8.4 bilhões

98-1,79%

-0.8

-2.3

8.4%

U$ 6.6 bilhões

 

O que esses números mostram é que a queda da inflação não pode ser lida como uma virtuosidade do Plano Real, mas como conseqüência de uma brutal recessão e desemprego. Nesses quatro anos houve uma sistemática quebra da base produtiva nacional como mostram os números do PIB, da atividade econômica e do déficit externo. Vários setores da indústria e do comércio fecharam as portas. Os empresários do IEDI chegaram à conclusão que o governo Fernando Henrique (e também o governo Collor) agiu ostensivamente para desqualificar a competência do empresariado local.

Outra decorrência do Real foi a queima do patrimônio público, as estatais, para pagar os serviços da dívida. O processo de privatizações, que precisa ser revisto, foi desastroso: concentrou as empresas nas mãos de estrangeiros, gerou monopólios privados, ineficiência e foi financiado com dinheiro público. Para atrair a banca especulativa internacional o governo pagou, em média, juros de 23% ao ano contra 5,5% pagos nos Estados Unidos. Bancou um câmbio sobrevalorizado ao custo da evasão de mais de U$ 100 bilhões no advento da crise. Só com a desvaloriação, o Banco Central perdeu U$ 5 bilhões. O único setor que ganhou com a fantasia do Real foi o financeiro. Perderam a saúde, as políticas sociais, os salários, os desempregados e o setor produtivo. O Brasil ficou mais pobre. Essa fatura será resgatada por nós, por nosso filhos e provavelmente pelos nosso netos.

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