1982-2002

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A Constituição e o golpe

A iniciativa da bancada do PT de propor uma representação na Câmara para investigar possíveis crimes de responsabilidade do Presidente da República, envolvendo a privatização das empresas de telecomunicação, vem suscitando polêmicas e a acusação ao partido de que estaria propondo um atalho golpista. O principal acusador do PT é o senador Roberto Freire (PPS).

Preliminarmente, é preciso enfatizar que o PT, junto com outros partidos de oposição, ao propor uma representação contra o presidente e ao defender a instalação de uma CPI para investigar as privatizações, o fez no estrito respeito à Constituição e às leis vigentes. O PT não está propondo nem a renúncia, nem a antecipação das eleições e nem um impeachment sem investigação. Sequer está propondo a mudança da Constituição para atingir o presidente. Entendemos, simplesmente, que Fernando Henrique, ao agir para favorecer um dos consórcios na privatização das teles, infringiu o artigo 37 da Constituição e a lei nº 1.079, que define os crimes de responsabilidade do presidente da República. É a partir desses possíveis crimes arrolados em nossa representação que pretendemos que o presidente seja investigado pela Câmara.

Como é do conhecimento da opinião pública, o presidente da Câmara, Michel Temer, indeferiu a representação. A oposição, alinhando sólidos argumentos jurídicos, encaminhou um recurso solicitando que ele reconsidere o indeferimento. Entende-se que Temer fundamentou a recusa da representação em ordenamentos indevidos. Outro argumento ao qual ele recorreu é de que as fitas que capturaram a voz de Fernando Henrique e da cúpula do BNDES foram gravadas de forma clandestina e que, portanto, não podem servir como prova. Ilustres juristas, como Celso Bandeira de Mello, derrubam esta argumentação sustentando que se das fitas foi divulgado o conteúdo referente às privatizações, assunto que por lei é obrigatoriamente público e acessível ao público, servem elas como prova. Se a representação for acatada, será somente a partir de uma investigação através de uma comissão especial da Câmara que se poderá formar a culpa ou a inocência do presidente da República. E, ainda, só a partir da formação da culpa poderá ser proposto o impeachment ou alguma outra medida.

Não há, como se vê, nenhum golpe nesses procedimentos. Ou será que, agora, defender a Constituição e as instituições democráticas, como estamos fazendo, se tornou um sinônimo de golpe? Ao posar de paladino da ordem democrática, parece que Roberto Freire se esqueceu de algumas lições básicas a respeito do que seja democracia e garantia do Estado de Direito. Democracia, antes de mais nada, é o governo das leis acima do governo dos homens. Nenhuma autoridade, nem mesmo o presidente da República, pode por-se acima da Constituição e das leis. Governar ao arrepio da Constituição e das leis ou infringi-las, representa uma atitude discriminatória que, continuamente praticada, pode encaminhar a uma ditadura.

Sem querer estabelecer qualquer comparação, é preciso lembrar que o Brasil tem um vizinho, o Peru, cujo presidente eleito agiu sistematicamente contra a Constituição e as leis até conseguir transformar o país numa ditadura. O ex-presidente do Paraguai, Raul Cubas, que teve de renunciar, estava enveredando pelo mesmo caminho. Fernando Henrique, certamente, não tem nenhuma intenção golpista. Mas são frequentes as acusações, por parte de renomados juristas, de que muitos dos atos do governo violam a Constituição e as leis. A oposição não pode omitir-se ante essas acusações e fatos. A não ser que se queira fazer um oposicionismo de faz-de-conta é nosso dever e responsabilidade fiscalizar e investigar possíveis atos irregulares do governo.

No Brasil - e na América Latina como um todo - viceja longa tradição de governos eleitos agirem por meio de atos que agridem a Constituição e as leis. Esta prática gera instabilidade política e leva a crises institucionais. Voluntária ou involuntariamente, esse tipo de irresponsabilidade dos políticos transforma-se na incubadora de ditaduras militares. Ao propor a investigação do presidente a partir das leis e da Constituição, o PT nada mais faz do que defender a democracia. Note-se também que há uma diferença entre as normas legais e a prática política efetiva. É nessa margem de diferença onde se afirma a tradição autoritária no Brasil, mesmo que o regime seja democrático. A afirmação de uma democracia digna deste nome requer tanto um aperfeiçoamento do aparato legal quanto a superação da cultura política autoritária por uma cultura democrática.

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