1982-2002

Artigos | Projetos | Docs. Partidários

Versão para impressão  | Indicar para amigo

Artigos


O conflito dos poderes

As divergências entre os poderes da República ficaram mais uma vez evidentes na série de liminares que o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu limitando o alcance das investigações da CPI dos bancos. As liminares incidiram sobre as prerrogativas do Congresso Nacional, o que mostra que há uma divergência entre esses dois poderes sobre qual a competência de cada um. Em outros momentos, manifestaram-se divergências entre o Congresso e o Executivo e entre o Executivo e o STF. Esses conflitos indicam que há falhas constitucionais na delimitação das funções dos três poderes da República.

Nesse sentido, foi positiva a reunião entre o presidente do Congresso, o presidente do STF e o presidente da República, realizada há poucos dias, para tentar encontrar saídas ante os impasses, evitando que eles se transformem em crises institucionais. O potencial de crise institucional havia crescido nos últimos meses por conta das liminares concedidas pelo STF em favor de investigados pelas CPIs e pela reação virulenta e inadequada do senador Antonio Carlos Magalhães, presidente do Congresso, às decisões do Supremo. Deve-se cogitar, também, de que há ingredientes políticos, e não apenas técnicos, envolvidos nas trocas de acusações. Por um lado, muitos juízes se sentem ressentidos por conta da CPI do Judiciário. E, por outro, o próprio Palácio do Planalto pode ter incitado medidas de limitação das CPIs, já que as investigações ameaçavam chegar a pessoas muito próximas do presidente da República.

Quanto ao mérito das divergências, cabe reconhecer que, de fato, a CPI dos bancos pode ter cometido algumas extrapolações ao decretar prisões e indisponibilidade de bens de pessoas. Essas são prerrogativas da Justiça. A CPI poderia ter solicitado que o Judiciário tomasse essas medidas. O STF, porém, não pode proibir uma CPI de quebrar o sigilo bancário, fiscal e telefônico de investigados. A investigação é a essência de uma CPI. Se ela for tolhida nesse aspecto, perde toda a relevância e o próprio sentido de sua existência. Conceder liminares restritivas às investigações de uma CPI constitui inaceitável ingerência do Judiciário nas prerrogativas do Legislativo. O que se espera do pleno do STF é que, ao mesmo tempo, corrija os excessos das CPIs e resguarde as prerrogativas do Congresso nas suas funções fiscalizadoras e investigatórias. Caso contrário, o próprio Congresso Nacional, poder legislador soberano, deverá aprovar leis ou emendas constitucionais, se for o caso, para resgatar funções que são suas, universalmente reconhecidas pela teoria e prática constitucional democrática.

Outro aspecto das divergências entre o Congresso e o STF diz respeito à divulgação dos dados descobertos por uma CPI por meio da quebra do sigilo bancário, fiscal e telefônico de pessoas ou empresas. O supremo tende a adotar uma atitude restritiva quanto à divulgação desses dados.

Aqui, no entanto, é preciso perceber a diferença entre dois elementos: o que não se pode divulgar são dados que digam respeito à privacidade e à intimidade dos investigados, direitos garantidos pelo artigo 5.º da Constituição. Mas todos os dados referentes a assuntos públicos, ao poder público é, por natureza, obrigatoriamente público e passível de se tornar público. Da mesma forma, os atos criminosos e ilegais não podem ser acobertados pelo sigilo. O sigilo protege direitos, não crimes.

A lei e os direitos têm uma eticidade imanente. Qualquer crime, seja ele cometido contra particulares ou contra a esfera pública, é um ato contrário à sociedade como um todo e precisa dar-se conhecimento ao público da ação criminosa. Decorre daí, por exemplo, que conversas do presidente, de ministros ou de outras autoridades, que versem sobre assuntos públicos, mesmo gravadas clandestinamente, não só devem tornar-se públicas como as gravações podem servir de provas, tese sustentada pelo jurista Celso Bandeira de Mello. O que não se pode divulgar de fitas legal ou ilegalmente gravadas é aquilo que for estritamente privado, pessoal e íntimo. Claro que uma gravação ilegal deve ser investigada e os autores, punidos de acordo com a lei. Da mesma forma, sonegações fiscais, irregularidades financeiras, contas não declaradas, ao Fisco ou outros crimes descobertos pela quebra do sigilo fiscal, bancário e telefônico devem ganhar publicidade.

Na publicação de conversas de autoridades sobre assuntos e negócios públicos ou na divulgação de atos ilícitos descobertos por investigações que impliquem quebra de sigilo por CPIs ou pelo Judiciário há uma limitação dos direitos de privacidade. Ocorre que essa limitação do particular se dá em benefício do bem-estar da coletividade e da defesa da ordem jurídica democrática. Parece ser inerente ao próprio conceito de Estado de Direito a constitucionalidade da impugnação de atos ilegais que tangem direitos ou se abrigam na lei que protege direitos.

Busca no site:
Receba nossos informativos.
Preencha os dados abaixo:
Nome:
E-mail: