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O circo da Ford

O presidente Fernando Henrique Cardoso desferiu, recentemente, violento ataque verbal contra empresários nacionais, alegando que viveram à custa de benefícios do Estado. Passadas algumas semanas, o mesmo presidente concede isenção fiscal de R$ 180 milhões por ano, até o ano de 2010, não a uma empresa nacional, mas à Ford, segunda do mundo no setor automobilístico, com cerca de U$ 150 bilhões de faturamento. A incoerência presidencial é o mais veemente atestado de que o Brasil não é um país sério. No mínimo, a sua elite governante não é séria.

As isenções à Ford e os empréstimos subsidiados que receberá para se instalar na Bahia são um tipo de atitude que se incorporou ao processo de formação do capitalismo brasileiro. O nosso capitalismo está longe daquele capitalismo de livre iniciativa, daquele capitalismo de risco que faz parte dos países mais desenvolvidos. Trata-se de um capitalismo que nasceu filho do Estado, patrocinado pelo dinheiro público, politicamente orientado. Tal sistema, só poderia resultar em três malefícios:

Surge um capitalismo de privilégios - somente aqueles que têm acesso ao poder político ou os amigos dos governantes conseguem as graças fiscais e financeiras; o capitalismo sem risco é a principal alavanca da concentração de riqueza, ao proporcionar uma economia fechada, que só viabiliza quem é protegido pelo Estado; na medida em que esse capitalismo não está submetido às regras da competição e do mercado, destitui o consumidor dos direitos de cidadão. Nas economias modernas, o consumidor tem enorme força indutora da qualidade e dos preços dos bens de consumo por conta de sua liberdade de escolha ante alternativas que competem entre si. Isso, a rigor, não ocorre no Brasil. Aqui, a fusão público-privado forma nichos monopolísticos marcados pela incompetência produtiva, fornecedores de produtos de má qualidade.

O episódio da Ford revela ainda o quanto de grotesco há em nossa democracia e a quanto de instrumentalização são submetidas as nossas instituições. Como bem revelou a imprensa, Fernando Henrique e o governo entraram no jogo político para tornar inviável a instalação da Ford no Rio Grande do Sul. A aprovação pelo Congresso da lei que garantia R$ 700 milhões anuais de incentivos fez parte dessa manobra e do uso indevido das instituições democráticas. Essa medida foi patrocinada pelo presidente do Congresso, senador Antonio Carlos Magalhães, recebeu o aval dos líderes do governo e em nenhum momento Fernando Henrique se opôs à sua aprovação. Nos debates em torno da aprovação da medida provisória, a oposição chamou a atenção sobre a violência dos incentivos, suas implicações desastrosas para o pacto federativo e para a possibilidade de sua interdição pelo Mercosul e pela OMC. Nada foi levado em conta. O Congresso, que é nacional, foi submetido ao ridículo de curvar-se a interesses políticos locais. O presidente teve de vetar uma lei à qual havia dado sinal verde. Ora, se não eram necessários os R$ 700 milhões anuais de subsídios, já que a Ford aceita se instalar na Bahia pelos R$ 180 milhões, então o Congresso cometeu um crime contra o contribuinte.

Ninguém, em sã consciência, pode ser contra o desenvolvimento da Bahia e do Nordeste. Mas tudo indica que a instalação da Ford, na relação custo-benefício, não é a melhor opção. No total, serão investidos R$ 3,8 bilhões para gerar 1,5 mil empregos diretos. No Rio Grande do Sul seriam investidos R$ 5,8 bilhões para criar 5 mil empregos, o que se traduz em custo relativo menor e benefício maior. Os carros produzidos na Bahia terão um acréscimo adicional (que será pago pela sociedade) de R$ 500,00 por conta da distância do Centro-Sul. O Rio Grande do Sul tinha a vantagem de se situar próximo aos países do Mercosul, fator que poderia favorecer a exportação de carros.

Note-se ainda que o setor automobilístico é, hoje, um dos que menos gera empregos. O setor de produção de cacau na Bahia, há cinco anos, vem solicitando empréstimos para poder alavancar-se. Estimativas técnicas indicam que com a ajuda de R$ 300 milhões poderiam ser criados 200 mil empregos nessa atividade. Acrescente-se que outros setores nacionais, de máquinas, equipamentos, etc., que passam por dificuldades, não têm os incentivos bilionários concedidos à Ford.

Todo esse circo mal explicado, altamente custoso para o contribuinte, protagonizado pela Ford, por ACM e Fernando Henrique, mostra que é preciso definir critérios para conceder benefícios e incentivos. Esses critérios devem estar vinculados a políticas nacionais e regionais de industrialização e desenvolvimento. Não é possível continuar brincando com o dinheiro público para agraciar multinacionais que geram poucos empregos, deixando no abandono setores produtivos nacionais que, com recursos menores, poderiam produzir muito mais desenvolvimento e empregos. Como peça final do circo da Ford, anuncia-se que, enquanto a empresa faz a festa com o dinheiro público na Bahia, deverá fechar ou mudar sua unidade na capital paulista desempregando, provavelmente, 1,5 mil trabalhadores.

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