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Os estados brasileiros vivem a maior crise financeira e administrativa de sua história. A imprensa traz notícias frequentes sobre a possibilidade de intervenção nesse ou naquele estado, notadamente em Alagoas e São Paulo, por conta do colapso da capacidade financeira e administrativa dos governadores. Não se trata de uma mera omissão dos governadores, se bem que esta possa existir. O fato mais relevante é que a crise contamina, em maior ou menor grau, todos os estados da federação.
A crise dos estados é produto de dois movimentos que colheram os atuais governadores no inícios de suas gestões. Em primeiro lugar, ela é produto do descalabro administrativo, da farra com a coisa pública que vinha ocorrendo ao longo dos anos. Esta farra concentrava-se principalmente nos bancos estaduais, no inchamento da máquina administrava e no descontrole na contratação de obras e serviços. Em segundo lugar, a crise é consequência do fato de que os estados não foram preparados, administrativa, financeira e gerencialmente para enfrentar o novo período da vida nacional estabelecido a partir do Real. Da mesma forma com o que vinha ocorrendo com bancos públicos e privados, as finanças públicas, de certa forma, também se beneficiavam da inflação. O resultado de tudo isso foi o descontrole dos orçamentos estaduais aprofundando o cenário de ingovernabilidade.
A crise de governabilidade não está associada, neste caso, ao excesso de demandas sociais. Ela evidencia, antes de tudo, a incapacidade crônica dos estados sequer exercerem suas funções mínimas. Ou seja, é público e notório que os estados faliram em várias áreas de sua atuação. Vale a pena registrar algumas. Uma das faces mais expostas da falência dos estados está na segurança pública. A falta de policiamento, de estrutura material das polícias, de capacidade técnicas das mesmas, de viaturas etc., e o crescimento da criminalidade atestam a falência do estado na sua função mínima de garantir a segurança dos cidadãos. Diante de crimes violentos que se sucedem todos os dias, os secretários de segurança vêm a público justificar que falta estrutura e pessoal para exercer uma ação preventiva contra a criminalidade.
As políticas públicas talvez sejam as maiores vítimas da falência dos estados. Os sintomas da crise nessa área não são recentes: as greves históricas dos professores e a péssima qualidade do ensino são fatos que vêm ocorrendo há anos. Na saúde, na habitação e na área de infra-estrutura a ausência do poder público estadual não é menor. Outro lado perverso da crise dos estados consiste na perda de sua capacidade de fiscalizar a prestação e a execução de serviços, tanto por parte de instituições públicas ou das concessionárias. As tragédias da hemodiálise em Caruaru e dos idosos da Clínica Santa Genoveva, no Rio, poderiam ser evitas se as autoridades estaduais ou municipais de saúde tivessem condições de exercer um controle fiscalizatório permanente, como é de obrigação do poder público. Mais recentemente, a crise dos estados tem avançado com a falta de pagamento do funcionalismo público, com paralisação de obras, com cortes de fornecimento por falta de pagamento e assim por diante. Os altos juros e os rombos financeiros na maior parte dos bancos estaduais só têm agravado o ambiente de ingovernabilidade. A verdade é que os estados vêm operando com enormes déficit e em alguns casos a folha de pagamento consume de 80% a 90% das receitas.
As reformas tributária e administrativa representam dois momentos importantes para se tentar enfrentar a crise dos estados. Por isso, elas precisam ser bem analisadas, discutidas e negociadas para que não produzam resultados pífios como tendem a ser os das reformas que já tramitaram no Congresso até agora. Por outro lado, o próprio Congresso deve buscar instituir mecanismos de controle automático — seja através do Banco Central, do Tesouro, da Receita etc., — para impedir que as governos estaduais incorram em descalabros administrativos e financeiros. Devem ser estabelecidos mecanismos constitucionais que estabeleçam obrigatoriedades e sanções para estados e um sistema de contrapartidas por parte da União. Em suma, se é correto que numa federação os estados tenham uma importante dimensão de autonomia, por outro lado, é dever do poder central estabelecer mecanismos de controle automáticos que induzam à disciplina fiscal e administrativa, condição necessária para o exercício do bom governo. A indisciplina, a falência e a ingovernabilidade do poder público produzem, como efeito imediato, a perda da confiança da população e abrem caminho para que vicejem todo tipo de ilegalidades.