1982-2002

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Do não-governo ao desgoverno

O presidente Fernando Henrique, ao assumir seu primeiro mandato na dupla condição de herdeiro-feitor da estabilidade e do Real, decidiu-se pelo não governo. Isto é, decidiu-se por um governo passivo nas esferas administrativa, econômica e social permitindo-se apenas fazer ajustes secundários no quadro herdado. Poderia ter optado por um governo ativo promovendo profundas mudanças sociais, extraordinárias mudanças econômicas e grandes realizações administrativas em obras, infra-estrutura etc. Mas a possibilidade de um governo ativo não estava posta pelos condicionamentos políticos e econômicos envolvidos na sua eleição. Era mais vantajoso, em termos políticos, naquelas circunstâncias, governar passivamente a herança recebida. Esse cálculo se mostrou tão acertado que permitiu aprovar a reeleição e reeleger o presidente.

Mas um outro aspecto importante ladeou o não governo: a desconstrução do Estado-empresa pela via da desconstrução constitucional quebrando os monopólios e privatizando as empresas estatais. Se a um aspecto de ativismo existiu no primeiro mandato ele reside justamente nessa desconstrução e na produtividade legislativa do governo. Afinal de constas, os fornos do Planalto forjaram muitas emendas constitucionais e muitas medidas provisórias numa quase parlamentarização do presidencialismo. Ocorre que se espera do presidencialismo um viés ativista mais acentuado do que o do parlamentarismo e esta parece ser uma das especificidades do sistema presidencial. Assim, muitas expectativas foram frustradas pela passividade governamental do primeiro mandato.

O segundo mandato se iniciou, se é que se iniciou, sob a égide da falência das premissas do Plano Real identificadas no financiamento externo do déficit público, no câmbio sobrevalorizado, no mecanismo dos juros altos e nas privatizações. Todas essas premissas se esgotaram deixando um enorme passivo nas contas públicas, um gigantesco endividamento privado, inadimplência e desemprego, marcas de um processo que transferiu somas de bilhões de reais do setor produtivo, dos serviços e dos assalariados para o setor financeiro. O governo mostrou-se incapaz de dar uma sobrevida ou de substituir o modelo falido e isto determina o primeiro sintoma de desgoverno. Um segundo mandato de não governo para administrar passivamente um quadro herdado representa um desastre anunciado, porque o quadro herdado reduziu-se a quase nada. O Real foi erodido pelos seus próprios fundamentos.

Os impressionantes índices de descrédito do presidente e de reprovação do governo emergem de sob o manto de crise e de dificuldades que a política governamental lançou sobre os ombros da sociedade. A falta de credibilidade política do governo na sociedade leva a fissuras ou divergências políticas na base de sustentação. Daí o crescimento das brigas no seio dos partidos aliados, o bate-boca entre ministros e a pressão fisiológica sobre o Executivo. Presidente e base governista precisam pactuar tudo a todo momento, num evidente processo de sarneyzação do governo. A base percebe um presidente enfraquecido, que se submete a um freqüente estorno de autoridade e de credibilidade política por um de seus principais aliados, o senador Antônio Carlos Magalhães. A ausência de articulação, de comando e de consistência política é outro poderoso sintoma de desgoverno.

A crise abriu também as comportas da pressão social. Os grupos sociais prejudicados pelas transferências de seus recursos (e bens) para o setor financeiro, patrocinadas pela política econômica, começam a cobrar seus prejuízos do próprio governo. Os caminhoneiros e os agricultores deram os primeiros passos nessa direção. Tudo indica que esse segundo semestre será marcado pelas reivindicações e protestos sociais. Em paralelo corre a falência dos entes federados, estados e municípios, que também articula pressões sobre o Tesouro Nacional. Na medida em que estas pressões vêm do setor político, de prefeitos, governadores, senadores e deputados, na sua maior parte da base governista, o governo enfraquecido tende a ceder, como está ocorrendo com a federalização da dívida de Santa Catarina com o instituto de previdência dos servidores estaduais.

O quadro político que está se desenhando é o de um governo que tem seu campo de manobras cada vez mais reduzido, com menos alternativas e com menor capacidade de iniciativa. Como se sabe, o poder é exercido de forma eficaz quando um governo dispõe de várias alternativas atrativas para escolher. As alternativas de Fernando Henrique estão se reduzindo a um ou ou excludente. Em alguns casos sequer há alternativas disponíveis obrigando-o a uma sujeição aos fatos. Este sim já é um preocupante elemento de desgoverno.

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