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O PT e as propostas

Num pequeno livro, A Retórica da Intransigência, Albert Hirschman, pensador alemão radicado nos Estados Unidos, mostra como os conservadores e reacionários de todos tipos mobilizam fantásticos recursos retóricos para proteger a ordem social contra as mudanças. Parece que é nesse tipo de conduta intransigente e prepotente que o presidente Fernando Henrique Cardoso se enquadra desde o início de seu primeiro mandato. Seguem-lhe a prática alguns líderes tucanos de Brasília e alguns analistas, que apenas repetem o que o governo diz ou o que ele lhes passa.

O ponto de encontro entre a tradição da retórica intransgente e a conduta de Fernando Henrique diz respeito à relação com a oposição. No Brasil, como se sabe, o autoritarismo sempre tratou a oposição pela repressão. Do ponto de vista retórico, a oposição e a esquerda representavam ameaças ao estado de coisas existentes. Por isso, mereciam o castigo da perseguição, da vendenta e até da tortura e da morte. O atual presidente, evidentemente, não usa esses métodos. Mas lá com ele está a velha retórica da intransigência. Ela se manifesta da seguinte forma: a "história está com ele", o "Brasil está no rumo certo" porque ele lhe deu esse rumo, a esquerda é "beócia, neoboba, jurássica, sem-rumo etc.". Em entrevista ao O Estado de S. Paulo (02/09/99) classificou a esquerda de "fundamentalista, anacrônica e à espera da revolução". Desde sua posse, em nenhum momento, o presidente deixou de desqualificar a esquerda. Entre o discurso de quem diz que a esquerda deve ser combatida porque representa uma ameaça e de quem diz que ela deve ser combatida porque encarna o atraso, do ponto de vista do efeito político, não há diferença: procura-se jogar para a margem tal adversário, excluí-lo da participação do debate legítimo. Em suma, a retórica reacionária pretende cassar o direito legítimo e constitucional da esquerda de fazer uma oposição política.

Analise-se um aspecto dessa retórica reacionária para ver o quanto ela falseia a realidade. Tornou-se lugar comum depois do discurso do "sem-rumo" afirmar que a esquerda não tem propostas. Qualquer analista, comentador ou jornalista que não se limite a ouvir o que o governo declara mas investigue a política real, perceberá que a esquerda e o PT têm muitas propostas. Comecemos pelo processo legislativo, onde a participação do PT é das mais intensas, através da apresentação de projetos, emendas e substitutivos. A bancada do partido apresentou propostas de reforma de Previdência, de reforma administrativa, de reforma do Judiciário, de reforma fiscal e tributária e de reforma política (mudança de representação na Câmara, fidelidade partidária, limitação da imunidade parlamentar, limitação do uso das medidas provisórias etc.). Nos momentos mais importantes de debate de políticas setoriais também sempre apresentamos alternativas: no lançamento do "pacote 51", entre outros pontos, propomos a cobrança de impostos sobre as contas CC-5 e sobre aplicações financeiras em renda fixa e variável. Na crise da agricultura, apresentamos soluções e propostas alternativas de financiamento agrícola. Na regulamentação das agências reguladoras (Anatel, Aneel e ANP) propomos que elas deveriam ser integradas por representantes dos consumidores (proposta recusada pelo governo) e que o Congresso deveria reter para si a definição das normas de fiscalização dos serviços de telefonia, energia e petróleo. Ocorre que a maior parte das propostas da oposição são recusadas pelo governo e por sua base, porque são alternativas ao perverso modelo vigente. Algumas, no entanto, são copiadas pelo governo sem a menor cerimônia.

Se analisarmos o processo eleitoral, não há como não reconhecer um crédito ao PT por ter estabelecido a exigência do debate programático nas disputas eleitorais. Esta é uma verdadeira inovação nos costumes políticos do país. E onde o PT governa, municípios e estados, há quase uma unanimidade sobre a renovação de métodos, costumes, propostas, programas e políticas públicas introduzidos pelos administradores petistas. Aliás, o PT sempre procurou ser transparente em suas propostas, expondo suas virtudes e seus limites.

Tudo isto não significa que o PT não tenha deficiências, lacunas equívocos. A maior delas, já repetimos várias vezes, é a insuficiência na elaboração de um projeto alternativo para o Brasil. Elementos desse projeto estão contidos nos programas das três candidaturas de Lula para a Presidência. Dizer que há insuficiências nesse projeto, é uma coisa. Afirmar que o PT está sentado sobre o nada, não corresponde à verdade e faz parte daquele discurso reacionário. Parece ser preciso lembrar a alguns, ainda, que o PT não está no governo. E se o Brasil está em crise, é o governo, não o PT, que precisa ser cobrado.

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