1982-2002

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A reforma política ou casuísmo?

Tornou-se quase um lugar comum nos meios políticos, jornalísticos e acadêmicos argumentar que a reforma política é uma necessidade que já deveria ter sido contemplada há anos. De fato, para o governo e para a maioria governista no Congresso, a reforma política nunca integrou o rol das prioridades. Isto talvez porque os atuais agrupamentos majoritários sejam os próprios beneficiários do sistema político que, todos reconhecem, carrega muitas distorções e não é funcional. Outro aspecto que se evidencia deficiente, quando o assunto é a reforma política, consiste em que não se diz o que se quer da mesma o por onde ela deve começar.

O Senado Federal, por exemplo, está querendo aprovar aspectos de uma reforma conta gostas, que tende a desorganizar ainda mais o sistema político. Pode-se dizer que existem dois métodos para fazer a reforma: 1) apresentar uma proposta abrangente e coerente de sistema político e examiná-la no seu conjunto, o que é o mais desejável; 2) aprovar uma reforma política processualmente. O segundo método só é viável se for estabelecido um cronograma e uma hierarquia dos temas a serem apreciados, começando-se pelos que têm implicações mais gerais e descendo aos mais particulares. A proposta do Senado não se encaixa nem no primeiro e nem no segundo método. Propõe uma temática dispersa que chega a levantar a suspeita de que se trata de um casuísmo.

O Senado propõe três pontos de reforma: a implantação do voto distrital misto; a adoção da cláusula de barreira para o acesso dos partidos a assentos na Câmara (5% do votos nacionais); e, a proibição de coligações proporcionais (coligações entre partidos nas chapas de vereadores e deputados estaduais e federais). Como se vê, não há nenhuma hierarquia e pouco nexo entre esses três pontos. No sistema político da democracia representativa, o ponto que adquire prevalência sobre todos os outros diz respeito à definição da composição da Câmara de Representantes, no caso da Câmara dos Deputados. Esta definição é uma preliminar que condiciona o resto do sistema, pois determinará se todos os cidadãos serão representados de forma igual, princípio que caracteriza a democracia. Como se sabe, no Brasil há uma profunda distorção da representação dos Estados na Câmara: um voto do Amapá eqüivale aproximadamente vinte votos de São Paulo. Pretender fazer uma reforma política sem corrigir esta distorção da democracia é algo sem seriedade. Por que os partidos governistas não querem mudar esta grave deficiência da democracia? Veja-se o caso das últimas eleições: o PFL obteve 17,3% dos votos proporcionais mas ficou com 20,7% de cadeiras na Câmara; o PSDB teve 17,5% dos votos proporcionais e ficou com19,3% de cadeiras; o PT obteve 13,2% dos votos proporcionais mas teve o número de cadeiras reduzido para 11,3%; e o PDT com 5,6% do total de votos ficou com apenas 4,9% de cadeiras.

Quanto à adoção da cláusula de barreira e do voto distrital, essas duas experiências foram desenvolvidas na Alemanha. Ocorre que lá se trata de um sistema parlamentarista e de um país que tem uma história política e partidária específica, bem diferente da história do Brasil. Aqui a forma de governo é presidencialista e dificilmente comportará um sistema distrital misto. Não se pode incidir novamente no mesmo tipo de erro cometido com a adoção da reeleição: um país simplesmente não pode copiar instituições e modelos políticos de outros países. Da mesma forma que a reeleição, pela especificidade do Brasil, tende a engessar o sistema político obstruindo a alternância no poder, uma das características essenciais da democracia, a adoção do voto distrital sem outras prévias mudanças no sistema político provocará um destroçamento sem precedentes do frágil sistema partidário e introduzirá um elitismo personalista na política com conseqüências nefastas tanto em termos de eficácia quanto de moralidade pública.

Na medida em que o voto distrital e a clausula de barreira dificilmente incidirão sobre as eleições do próximo ano, na verdade, os patrocinadores da reforma que tramita no Senado não querem outra coisa além de aprovar a proibição das coligações proporcionais. Essa proibição prejudicará principalmente os partidos de esquerda e os partidos pequenos. Trata-se de um casuísmo sem precedentes após a democratização, apenas comparável ao pacote de abril da ditadura.

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