1982-2002

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A "democracia" do tucanato

Os dias que antecederam a "Marcha das Oposições", na última quinta-feira, foram marcados pela perda da compostura democrática dos cardeais do PSDB que atuam em Brasília. Numa escalada de provocações, que contou com a participação do próprio presidente Fernando Henrique, tentaram intimidar os manifestantes e a oposição classificando o protesto de "golpismo". Nem mesmo os líderes do PFL, que tiveram um convívio com a ditadura militar, foram tão longe na arrogância intimidatória. E nem mesmo o regime militar, na sua fase final, tentou inibir protestos de rua com tamanha retórica autoritária, como se viu na última semana. Chegou-se ao absurdo de se armar um esquema fiscalizatório nas estradas, através do DNER e da Polícia Rodoviária Federal, para atrapalhar a marcha à Brasília exigindo documentos de manifestantes.

Para o cardinalato tucano, a democracia chegou até as arcadas das portas do poder. Nos gabinetes, onde se bememora com banqueiros falidos, com especuladores internacionais e com representantes de multinacionais ávidos de subsídios, ela não entra. Da mesma forma que esqueceram a social-democracia nos mais de 30 milhões de excluídos, nos milhões de desempregados e no abandono das políticas sociais, parecem ter esquecido as lições de democracia nas páginas amarelecidas de velhos cadernos abandonados nos fundos de baús. Parece que estão querendo esquecer até mesmo suas biografias: afinal de contas, ontem eles estavam nas trincheiras das lutas pelas liberdades democráticas. Sim, porque o mais elementar e simples princípio da democracia é o da liberdade e do direito de manifestação. Foi contra esse princípio que as lideranças federais do PSDB abriram fogo, constrangendo até mesmo deputados tucanos que têm contato com a difícil realidade do povo. Talvez pretendam definir por medida provisória o que a oposição pode ou não pode dizer e fazer.

O êxito da manifestação pacífica de Brasília, com mais de 100 mil pessoas, foi uma resposta às provocações do governo, mas aumenta a responsabilidade das oposições. O protesto deu forma ao profundo descontentamento da sociedade com o governo. A sociedade quer que os seus sofrimentos, os seus interesses e as suas reivindicações tenham uma representação política. O desafio da oposição é o de capacitar-se para ser a expressão política dos anseios sociais.

A sociedade quer dizer um não à política econômica do governo, que transferiu enorme quantidade de recursos do setor produtivo, dos trabalhadores e da classe média para o setor financeiro. O povo quer trabalho e produção. Quer políticas públicas e cidadania. Quer segurança e dignidade. Quer um Estado que seja público, republicano, agente do bem comum, e não um Estado privatizado, definidor de quem ganha e de quem perde, agente patrimonialista de grupos privados, descumpridor de suas funções de regular, fiscalizar e garantir serviços eficientes.

Ante o descontentamento da sociedade, a atividade da oposição deve dar respostas em duas frentes. A primeira é institucional, onde a oposição, além de exigir a investigação das privatizações das telecomuncicações, deve disputar com propostas próprias as reformas tributária, política, do judiciário etc. A oposição deve levar também para dentro do Congresso e para a esfera política a agenda da sociedade, visando oferecer saídas para as necessidades e reivindicações dos diversos grupos sociais.

A segunda frente é social, e se determina como um desdobramento imediato da manifestação de Brasília. O que ficou claro é que não há apenas uma oposição política, mas também uma oposição social. Esses dois movimentos precisam articular-se em torno de uma pauta comum com o objetivo de construir uma alternativa programática para o país. O eixo articulador da oposição política e social parece ser a luta pela mudança da política econômica, pelo emprego e pala produção. A pauta comum deve agregar bandeiras como a exigência de juros baixos, o fim do cassino especulativo com transferências de rendas para o setor financeiro, políticas de emprego, incentivo à produção, reforma agrária, solução para a dívida dos agricultores e financiamento adequado da agricultura, investimento em políticas sociais, políticas emergenciais de combate à pobreza etc.. A continuidade das manifestações e a adesão de outros setores da sociedade civil a elas, dependerão da coerência e da consistência que adquirir o movimento oposicionista.

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