1982-2002

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O impedimento de Collor

A cidade de São Paulo parece destinada ao infortúnio. Depois de ser devastada pela dupla Maluf-Pitta e pelas máfias que tomaram conta das regionais, do PAS e de outras áreas administrativas, eis que o ex-presidente Fernando Collor mudou seu domicílio eleitoral para São Paulo e manifesta a intenção de candidatar-se a prefeito. Por tudo o que os paulistanos já vêm sofrendo não mereciam essa acintosa ambição de um homem que escreveu a mais vergonhosa página da política brasileira e se tornou o primeiro presidente a ser apeado legalmente do poder pelo processo de impeachment.

A ambição de Collor suscita várias linhas de abordagem. Uma delas, está implicada com os aspectos legais da questão. Ao sofrer o impeachment, o ex-presidente está inabilitado de exercer cargo público por oito anos, prazo que espira em dezembro de 2.000. Ora, a eleição é um processo de habilitação para o exercício do cargo público na suposição de que o habilitante esteja no pleno gozo do direito para requere-la. Na decisão do impeachment, com base no parágrafo único do artigo 52 da Constituição, está implícito que essa habilitação não pode ser requerida antes do término do prazo da punição. Assim, sua pretensão de concorrer à Prefeitura de São Paulo no próximo ano parece não passar de uma vontade legalmente nula.

Esperar do ex-presidente tentativas de burlar a lei é até compreensível. O estranho é que elas encontrem cerimoniosa respeitabilidade da parte de alguns comunicadores e de alguns setores sociais. Do ponto de vista da teoria constitucional, o impeachment de um presidente tem seus fundamentos assentados na Constituição norte-americana. O impeachment implica numa punição política tão séria que sequer um presidente pode indultar um ex-presidente que a sofreu. E por ser um processo e uma punição de natureza política, desenvolvidos e decididos por um órgão político que é o Senado, a penalidade não é passível de revisão judicial. O que Collor deve responder na Justiça são os processos referentes à outras irregularidades. Quanto ao impeachment e suas decorrências, é líquido e certo que se trata de penas que precisam ser cumpridas.

A outra linha de abordagem que o gesto de Collor suscita, diz respeito ao desordenamento de nossas instituições políticas. O instituto legal que permite a transferência de domicílio eleitoral para efeito de candidatura em até um ano antes do pleito mostra-se falho. Abre espaço para o oportunismo eleitoreiro representando um desrespeito à democracia e ao sentido próprio do sistema representativo, que implica a representação da soberania do povo na esfera das instituições políticas. Imagine o leitor que substância representativa poderia expressar um Collor na prefeitura de São Paulo ao vincular seu título de eleitor à cidade apenas um ano antes das eleições. Depois de ser prefeito de Osasco, Francisco Rossi adotou, há tempo, o mesmo procedimento. Trata-se de uma completa artificialização da representação, de uma desmoralização das instituições políticas e de uma falta de respeito para com os cidadãos. Ou a representação expressa um vínculo substantivo entre representante e representado ou ela se torna um artifício para acobertar ambições pessoais e interesses particulares. Acreditamos que essa lei deve ser mudada, estabelecendo-se um prazo mínimo de domicílio de quatro anos para que alguém possa ser candidato a prefeito e a governador e de oito anos para o caso do Senado, que são os tempos de duração dos respectivos mandatos.

A permissividade, a improvisação e o experimentalismo são as causas da desmoralização das instituições políticas brasileiras. Veja-se o caso da reeleição: adotada para manter o atual bloco de forças no poder e ao arrepio dos costumes brasileiros e de uma avaliação séria de suas nefastas conseqüências, hoje, muitos dos que a aprovaram, pensam em suprimi-la. O mesmo ocorre com o sistema de governo: ante a crise do governo Fernando Henrique, muitos ferrenhos presidencialistas do plebiscito, conspiram para que se adote um parlamentarismo de oportunidade com o único fim de manter-se no poder. O que ocorre é que as leis e instituições políticas estão sendo moldadas ao sabor das ambições e dos interesses de grupos políticos e econômicos particulares, e não visando o bem público e os interesses da sociedade e do país. Se não é isto, o que impede que se aprovem leis corretas que acabem a imunidade parlamentar para crimes comuns, que impeçam que bandidos se candidatem a cargos eletivos, que proíbam o escandaloso troca-troca de partidos às vésperas de eleições?

A democracia, para se tornar estável, séria e eficaz, precisa de instituições realmente democráticas e permanentes, que confiram maior previsibilidade ao processo político. Somente uma profunda reforma política poderá melhorar a qualidade de nossas instituições. Mas o eleitorado precisa fazer sua parte. Na democracia, de fato, aprende-se pelo processo de tentativa e erro. Errar uma vez na escolha dos governantes, é algo compreensível. Insistir no erro revela ou uma falta de virtude cívica ou uma incapacidade para aprender.

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