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PT, democracia e disciplina

A suspensão de Eduardo Jorge da bancada do PT por 30 dias, pena aceita e já cumprida pelo deputado, motivou um sortido ataque ao partido que parece constituir-se, não se sabe se num lazer ou determinação de vontades irrefletidas, que querem destruir todos os elementos de racionalidade e disciplina que surgem nas instituições políticas brasileiras. A democracia já era definida pelos gregos antigos como o império da lei. Este princípio foi reafirmado pelo constitucionalismo norte-americano, criador das bases modernas da democracia republicana. No âmbito de uma sociedade livre, a rigor, só existem duas formas de ocorrência da conduta humana: o comportamento segundo normas e o comportamento segundo a vontade arbitrária de cada um.

O primeiro tipo de comportamento conduz ao bom ordenamento social e produziu as melhores sociedades democráticas do nosso tempo. O segundo tipo de comportamento, baseado na vontade arbitrária de cada um, produz uma certa anarquia e indisciplina da vida social. Dele emerge a validação das conquistas pela força e pela esperteza e a instituição de uma sociedade de privilégios. Nós, brasileiros e latino-americanos em geral, herdeiros das tradições ibéricas, constituímos sociedades onde a conduta fundada sobre a vontade arbitrária prevalece sobre aquela fundada em normas. É por isso que aqui não se respeitam leis, mata-se no transito, burla-se contratos, engana-se o outro, puxa-se o tapete do colega, espezinha-se o subordinado etc.

A vida de um partido democrático não pode fundar-se em princípios diferentes daqueles de uma boa sociedade democrática. No Brasil, os partidos nunca representaram efetivas instituições democráticas: foram instrumentos do mando pessoal, da manipulação do eleitorado e de eleições, blocos de conchavos para conquistar poder, cartas descartáveis de interesses de grupos etc. Nunca representaram setores sociais significativos e projetos programáticos para o país. O PT nasceu com a ambição de quebrar esta tradição partidária negativa introduzindo um novo tipo de conduta capaz de condicionar, pela sua práticas disciplinada e normativa, não só os costumes políticos gerais mas também as outras agremiações partidárias. Da mesma forma em que numa sociedade sem o império da lei não há democracia, um partido sem normas e sem ação disciplinada deixa de ser um partido democrático.

A unidade de ação é a essência da disciplina partidária. A unidade de ação é algo diferente da liberdade de opinião. Na minha vida parlamentar já divergi, publicamente, incontáveis vezes da posição da bancada e do partido, mas nunca votei contra as posições definidas por essas instâncias. Recentemente, os cinco deputados petistas da Bahia, seguindo decisão da bancada, votaram contra a medida provisória do governo que concedeu R$ 700 milhões de incentivos à Ford correndo o risco de desgaste no seu Estado. Na decisão na Câmara sobre o projeto que definia a criação de carreiras típicas de Estado formou-se na bancada do PT uma maioria favorável e uma minoria significativa contrária à proposta. Minoria que se submeteu à decisão registrando apenas a sua posição. Nesta semana, a maioria da bancada decidiu apoiar negociação com o governo em torno de Emenda Constitucional que vincula verbas à saúde, de autoria dos deputados Eduardo Jorge e Valdir Pires. Os deputados que discordaram dessa posição a acataram registrando o seu posicionamento.

O deputado Eduardo Jorge foi punido por ter votado pela aprovação da CPMF, contrariando decisão da bancada e não por ter emitido opiniões ou por ter conversado com integrantes do governo. As mesmas críticas que se fizeram em relação a esse episódio foram feitas pelo fato do PT ter recomendado a não participação dos governadores na reunião com o presidente Fernando Henrique para discutir a taxação dos inativos. Um partido político não pode ser concebido como algo constituído de partes desmembradas: como partido da bancada, dos governadores, dos sindicalistas, dos prefeitos etc. Um partido é uma instituição política que deve orientar a conduta de seus integrantes a partir do programa, das diretrizes políticas e dos objetivos tendo sempre em vista o interesse público e social no seu conteúdo mais geral.

Acusar o PT de stalinista e autoritário porque exige unidade de ação de seus integrantes significa vender a indisciplina partidária e a indisciplina geral como algo bom. O PT deve recusar tanto a trandição stalinista do centralismo sem liberdade de opinião, quanto a tradição fragmentadora, regionalista e personalita da política brasileira. Não há nem coragem e nem democracia no arbítrio pessoal que se sobrepõe as normas. Pelo contrário, a ação unilateral fundada no arbítrio pessoal expressa uma forma personalista de agir, que desrespeita as decisões por maioria, princípio irrevogável da democracia.

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