1982-2002

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A Previdência e o estado do mal estar

O desenvolvimento da democracia moderna, particularmente na Europa Ocidental, incorporou, desde a II Guerra um novo elemento: o Estado, além de ser liberal e democrático, passou a ser também social ou assistencial. Passou-se a entender que, o Estado, depois de ter seu poder limitado (Estado de Direito), de fundar seu poder na soberania popular, deveria também garantir direitos sociais através da assistência pública impulsionando a afirmação do Estado do Bem-Estar. Em síntese, o Welfare State expressa um Estado que garante tipos mínimos de renda de forma direta ou indireta como renda mínima, salário-desemprego, alimentação, saúde, educação, assistência à maternidade, à velhice, à invalidez etc. Assistência garantida, não como caridade mas como direitos dos cidadãos. O princípio funcional do Estado do Bem-Estar Social consiste nos impostos progressivos. Ou seja, quem tem mais paga mais para distribuir benefícios para os mais pobres.

Na América Latina e no Brasil, as tentativas de viabilizar um modelo de bem-estar à semelhança européia nunca deram certo. Poder-se-ia argumentar que se trata de uma região pobre. Ocorre que o Estado assistencial europeu ganhou grande impulso logo após a II Guerra quando todos os países estavam arrasados. Na Alemanha, por exemplo, foi o governo conservador de Adenauer que implementou as principais medidas de bem-estar. Claro que a crise fiscal e de eficiência que se abateu sobre os Estados em geral e sobre a Europa implicaram a busca de reformulação das políticas públicas. O neoliberalismo expressa um ideário cuja essência propõe o desmantelamento do Estado do Bem-Estar. Hoje, no entanto, os limites do receituário neoliberal são conhecidos e seus resultados também: agravou os abismos entre países ricos e países pobres e entre populações ricas e populações pobres.

No Brasil, medidas de bem-estar se fazem tanto mais necessárias quando se sabe que o país apresenta a maior concentração de renda do mundo e os piores índices sociais da América Latina. Um dos fatores do mal-estar do Estado e da sociedade brasileiros reside no sistema tributário: enquanto que nos 7 países mais ricos do mundo o imposto é progressivo incidindo 38% sobre os rendimentos do capital e 33% sobre o trabalho, no Brasil, a tributação regressiva faz incidir apenas 8% sobre o capital e 19% sobre o trabalho. Este é um dos motivos do mal-estar. O sistema tributário concentra renda.

O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso vem agindo sistematicamente para introduzir ingredientes de mal-estar social em outras áreas. A última medida nesse sentido, aprovada pela sua base no Congresso, consistiu na adoção do fator previdenciário. O fator previdenciário irá reduzir os benefícios do contribuinte que se aposenta com menos idade e aumentá-los para quem se aposenta com mais idade. Na prática, isto significa que uma parcela das pessoas que têm direito à se aposentar perderão recursos. Por exemplo, um trabalhador que poderia se aposentar aos 51 anos de idade, com 35 de contribuição, a partir de um benefício de R$ 500,00 na base atual, ao requerer a aposentadoria perderia cerca de 27% recebendo apenas R$ 364,50 mensais. Para conseguir receber o que tem direito constitucionalmente hoje, deve trabalhar mais. Isto representa uma forma indireta de introduzir a idade mínima, penalizando aqueles que começam trabalhar mais cedo.

Ao se examinar as consequências do fator previdenciário não basta levar em conta apenas números. Acima de tudo, é preciso levar em conta as tendências de comportamento do ser humano. Ora, a tendência de um trabalhador — por conta da propulsão humana ao interesse imediato — depois de trabalhar numa atividade extenuante durante 30 ou 35 anos é a de que requeira sua aposentadoria imediatamente. Até mesmo porque ele não sabe o que irá acontecer no seu futuro próximo. Quanto mais precárias as condições de vida e de trabalho de um trabalhador, tanto mais ele tenderá a buscar a aposentadoria rapidamente. Se este raciocínio é correto, e quem estuda a conduta e a psicologia humanas sabe que é, as perdas proporcionadas pelo fator previdenciário recairão principalmente sobre os trabalhadores de mais baixa renda e das mais precárias condições de trabalho. Mais uma vez o mecanismo adotado pelo governo e por sua base é regressivo, aviltante, fator de concentração de renda e de empobrecimento dos mais pobres.

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