1982-2002

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A crise da democracia

Recentes pesquisas de opinião de diferentes institutos captaram um preocupante desalento ou desencanto com a democracia. Na base desse sentimento popular há duas causas: a ineficácia do governo em resolver os principais problemas da sociedade e a reiterada prática de corrupção e de apropriação privada do público. Se essas são duas causas imediatas, há, contudo, uma mais profunda: o fato de que no Brasil a democracia sempre foi um "mal entendido", como sugeriu Sérgio Buarque de Holanda em seu clássico ensaio, "Raízes do Brasil". Ou seja, a democracia, implantada pelas elites, serviu para garantir-lhes privilégios e não para alargar os espaços de participação popular, garantir direitos, liberdades, equidade e cidadania. No fundamental, o nosso precário sistema democrático manteve enormes contingentes da população na mesma margem e no mesmo degredo social com que eram mantidos no Império e no Brasil colônia. A fundação da nossa democracia careceu de radicalismo republicano e de participação popular. Mesmo depois de 1930, a nossa liberdade foi espasmódica, interrompida por longos períodos de autoritarismo.

As pesquisas constatam que a descrença na democracia é maior entre os jovens. Esse negativismo é conseqüência direta do fracasso sistêmico do Estado brasileiro na vida das pessoas. Fracasso nos direitos básicos de saúde, educação, habitação, urbanização e bem estar em geral. Fracasso também na educação ética e na formação cívica dos cidadãos. Esse fracasso, no caso do Brasil, é uma decorrência necessária da estrutura social, econômica e política. As democracias modernas bem sucedidas se fundam num consenso social básico identificável na equidade econômica, na justiça e no caráter inclusivo da sociedade e da economia. No Brasil, ocorre o inverso: o processo social é excludente, os desníveis de renda e riquezas são abissais, a sociedade é injusta e o modelo político é não-participativo. Tornou-se comum, aqui, nos últimos anos, vender a idéia que a democracia é apenas uma forma política, que ela não tem um conteúdo social, econômico e cultural. O modelo político articulado pelos programas de governo de Collor e de Fernando Henrique preconiza exatamente o esvaziamento do conceito de democracia do seu conteúdo social e econômico.

O comportamento corrupto e permissivo dos políticos associado à sua impunidade é a outra vertente de descrédito da democracia. Veja-se os casos presentes de mais relevo como da corrupção na Prefeitura de São Paulo ou das denúncias sobre o favorecimento dos bancos Marka e FonteCindam e a manobra do presidente Fernando Henrique e seus subordinados para favorecer o banco Opportunity no processo de privatização da Telebrás. No caso da Prefeitura, o prefeito Pitta e o ex-prefeito Paulo Maluf em conluio com a maioria dos vereadores a eles ligados enterraram a CPI apesar da extraordinária quantidade de sujeira que veio a tona.

Já o presidente da República e seus subordinados tentam inverter os papéis. No caso da ajuda aos bancos, argumentam que agiram para salvar o sistema financeiro de "um risco sistêmico" quando a própria Bolsa de Mercadorias & Futuro desmente essa possibilidade. No caso dos grampos, a tergiversação é maior. Primeiro, o governo apresenta-se como vítima dos grampos quando já se sabe que a escuta no BNDES partiu dele mesmo. Segundo, apesar da evidência de crime de responsabilidade no favorecimento ao Opportunity, o governo desconversa com a idéia de que agiu em benefício do Estado. Terceiro, Fernando Henrique e sua base atacam a oposição classificando-a de "denuncista". É preciso chamar a atenção sobre o fato de que não foi a oposição que trouxe a tona as denúncias sobre a ajuda aos bancos e sobre o grampo. A oposição, ao exigir investigações, nada mais fez que cumprir o seu dever. Trata-se de um absurdo autoritário tentar impedir que a oposição não cumpra com suas funções de fiscalizar, criticar e cobrar soluções.

As gerações mais recentes são contemporâneas de grandes escândalos políticos: o impeachment, a CPI do Orçamento, o escândalo dos precatórios etc. Quando se sabe que nenhum desses casos teve algum punido (exceto cassações), e mais do que isso, que a corrupção continua mantendo todo o seu vigor, não há como fazer com que a democracia se torne uma referência positiva e depositária da esperança. Construir uma positividade em torno da democracia exige não só um processo de lutas e reformas políticas e sociais, mas também uma mudança nos costumes políticos e um ajuste de contas com a herança negativa da nossa formação social.

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