1982-2002

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Genoino revê passado sem rancor nem remorso

Ex-guerrilheiro que foi preso e torturado, deputado acha hoje que opção pela luta armada foi um erro

BRASÍLIA - No mês de abril de 1972, o então militante do PC do B, José Genoíno Neto, era aprisionado na região do Araguaia - hoje Estado do Tocantins -, onde participava da formação de uma guerrilha que pretendia retomar o País pela luta armada. Genoíno teve sorte. Foi preso logo no início do conflito, quando o regime ainda não havia decidido eliminar os guerrilheiros. Ao todo, morreram 59 militantes e 19 camponeses que aderiram à luta armada. Durante os cinco anos em que ficou preso, Genoíno foi torturado e espancado. Três décadas depois do episódio, ele considera um erro ter optado pela luta armada. Neste depoimento ao Estado também diz não guardar mágoa nem rancor:

"A opção pela luta armada, depois do Ato Institucional Nº 5, foi um caminho equivocado naquele momento. Acho que nós deveríamos ter integrado a resistência democrática. A principal revisão que a esquerda tem de fazer é no sentido do aprofundamento da democracia. Na época eu tinha 22 anos e integrava uma geração que se entregou à luta política, influenciada pelo movimento cultural da época e pelas revoluções que pipocavam no mundo. É claro que essa era uma geração libertária, mas depois do AI-5 ela ficou prisioneira de um dogmatismo na militância clandestina das organizações de esquerda da luta armada.

Com o AI-5, houve uma radicalização do processo a partir de uma ruptura da própria legalidade num regime em que a força e a violência não tinham mais limites, nem freios, principalmente do lado de quem deu o golpe. É bom lembrar que houve um golpe em 1964, com a quebra das regras democráticas. Portanto, o AI-5 foi um golpe dentro do golpe. Na verdade o que a esquerda fez foi resistir e lutar pela sobrevivência. O AI-5 foi o ato culminante desse processo de radicalização que já estava acontecendo antes, com repressões às manifestações estudantis, as invasões às universidades e a prisão de estudantes.

Na verdade a oposição armada fez uma opção pelo confronto, mas as condições políticas com a decretação do AI-5 foram precipitadas.

Portanto, quem radicalizou o regime do ponto de vista ditatorial foi o conjunto das forças militares e civis. Dizer que a esquerda contribuiu para a violência do regime era um pretexto. A esquerda veio em resposta a esse processo de endurecimento do regime. Mas fazendo uma reavaliação daquele período, mesmo com o AI-5, a esquerda deveria ter optado pela luta democrática, por um tipo de ligação com os movimentos sociais e não o caminho da luta armada. A busca pelo confronto naquele momento acabou representando a destruição da esquerda e de muitas lideranças que hoje poderiam estar tendo um papel muito importante na história do Brasil.

Comecei meu engajamento contra o regime militar na Faculdade de Filosofia, onde fui presidente do centro acadêmico. Com o AI-5, depois que eu tinha participado do Congresso de Ibiúna e com prisão preventiva decretada, fui morar clandestinamente em São Paulo e integrei a diretoria da UNE. Isso durou até meados de 1970. Desse período até 1972 eu fiquei no Araguaia, onde participei da fase de preparação da guerrilha. Eu era um militante do PC do B profundamente influenciado pela geração da época: uma geração que não tinha medo de se doar, até pagando com a vida aquilo em que acreditava. Fomos para uma resistência extremamente desfavorável, isolada da população, que não podia ser vitoriosa. Nós acreditávamos que o grupo iria crescer e nós iríamos ter força. Eu e alguns companheiros sobrevivemos porque fomos pegos no começo.

Fiquei preso cinco anos. Também fui torturado. Passei por afogamentos, choques, pau-de-arara, agressões e tortura psicológica. O problema da tortura é que não é um crime qualquer. Essa prática é o dilaceramento do indivíduo. Sua cabeça quer uma coisa e seu corpo quer outra. É um processo de suplício. Lembro desse momento com marcas e pesadelos.

Na prisão eu cheguei a pensar que deveria ter voltado atrás. Mas já era um caminho sem volta. Esse episódio serviu de lição para eu ter certeza de que o caminho democrático é o mais correto para o País. Houve confronto e mortes dos dois lados. Agora nada justificava a tortura e o desaparecimento. Porque, mesmo quando você tem uma guerra, uma coisa é perder a vida ou matar no confronto. Outra coisa é quando você é prisioneiro.

Tinha medo da morte principalmente quando era interrogado. Depois esse medo foi passando. O homem tem uma capacidade muito grande de adaptar-se e criar soluções nas piores situações. Hoje, tento me esforçar para não ter traumas. As vezes tenho pesadelos e assombrações. Sonho com essas lembranças até hoje. São marcas que ficam eternamente, até porque vivenciei aquilo intensamente. Essas imagens não se apagam nunca.

Apesar de 30 anos que me separam do fato, as vezes me parece que tudo está muito perto. A prisão me ensinou uma coisa: nós temos de sempre viver o passado, mas olhando para o futuro. Não dá para ficar remoendo o passado.

Hoje o Brasil é vitorioso por ter apostado na democracia. Acho que a história não se faz com mágoa nem rancor. As concepções da esquerda como a ditadura do proletariado, uma sociedade comunista e o partido único eu já reavaliei como equivocadas. Agora, acho que a direita tem de fazer também sua reavaliação histórica, sobre as posições que defendeu com o golpe de 1964 e com o AI-5. É o que eu espero até do deputado Delfim Netto (PPB-SP), que na época era o todo-poderoso czar da economia."

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