1982-2002

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"Não ataco o Serra se ele disputar o governo comigo"

De coroinha a ateu, de guerrilheiro a moderado, Genoino diz que aprendeu a conviver com "matrizes" ideológicas e lança seu nome à sucessão de Covas

Aos 54 anos, o deputado federal José Genoino Neto (PT-SP) escandaliza os próprios petistas ao dizer que nem sempre põe o PSDB na linha de tiro.

Candidato ao governo de São Paulo, Genoino não esconde sua admiração por alguns tucanos, como o ministro da Saúde, José Serra, cotado tanto para a corrida à Presidência como para a sucessão no Palácio dos Bandeirantes, em 2002. "Nunca vou atacar pessoalmente o Serra se ele disputar o governo comigo, assim como não ataco o governador Mário Covas", garante o deputado mais votado do País, no quinto mandato parlamentar.

Ex-guerrilheiro, Genoino afirma ter aprendido, em sua trajetória de xiita a moderado, a conviver com o que chama de "matrizes" ideológicas. Há 18 anos, seu discurso de estréia na Câmara foi nada mais nada menos do que "Marx vive". Hoje, diz que "o marxismo não é mais uma doutrina acabada, que se segue como se fosse livrinho".

Cearense "adotado" por São Paulo, esse filho de lavradores defende a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência, alegando que ele ainda "encarna politicamente" o projeto da esquerda para o Brasil. Mas adverte: as 187 prefeituras conquistadas pelo PT precisam mostrar serviço.

"O PT vai caminhar no fio da navalha: nem pode chegar ao poder como um partido estreito e sectário nem pode construir um projeto que descaracterize suas bandeiras", avalia o deputado, que é vice-presidente da legenda.

Nesta entrevista ao Estado, Genoino também conta que foi coroinha, mas, hoje, é ateu. "Se você me perguntar qual é a minha religião, digo que é o ser humano", define. "Há dois documentos da Igreja que prezo muito e coloco até no mesmo patamar do Manifesto Comunista: um é Os Dez Mandamentos e o outro é o Sermão da Montanha". E conclui, com uma gargalhada: "Falo sempre para meus adversários que o mandamento mais importante é `não roubarás'."

Estado - O senhor é candidato ao governo de São Paulo ou à Presidência, em 2002?

José Genoino Neto - Estou convencido de que devo disputar o governo paulista e sou candidato a candidato. Vou pleitear essa indicação no PT. Está mais à altura da minha trajetória política. Até porque São Paulo me adotou três vezes. A imagem de São Paulo para mim era aquela que um filho de nordestino que mora na roça tem. Tive de vir para cá pela primeira vez para não ser preso, em 1969, após o AI-5. Depois, quando saí da prisão, em 1977, arranjei emprego para sobreviver e dei aula de História, durante cinco anos. Em 1982 fui candidato a deputado federal pela primeira vez, por São Paulo. Minha relação com esse Estado é muito forte.

Estado - Não é de hoje que o presidente de honra do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, vem dizendo que, se não concorrer à Presidência, pode apoiá-lo para disputar esse cargo. Lula chegou a consultá-lo?

Genoino - Não. Ele tem dito que vai decidir se será candidato a presidente até março de 2001. E, na minha opinião, não há dúvida: Lula tem melhores condições para ser candidato. Ele é que pode encarnar politicamente nosso projeto numa eleição casada, que envolve deputados, governadores, senadores e o presidente da República.

Estado - Uma candidatura de Lula à Presidência, pela quarta vez, não é um desgaste para o PT? Não passa a impressão de que o partido não sabe formar novas lideranças?

Genoino - Em primeiro lugar, o PT construiu várias lideranças nacionais ao longo da sua história. Em segundo, Lula não impede o surgimento e o crescimento dessas lideranças. Em qualquer lugar do mundo um partido que tem um candidato com quase um terço do eleitorado, que ultrapassa a votação do PT, não pode considerar isso um problema. A discussão de 2002 passa pelo Lula. Ele tem uma força real e vamos discutir como enfrentar certas resistências ao nome dele.

Estado - Mas desde o início do ano o senador Eduardo Suplicy vem dizendo que quer ser candidato a presidente...

Genoino - Qualquer dirigente do PT com a expressão do Suplicy pode postular a candidatura. É um direito líquido e certo e é legítimo que ele solicite uma prévia. Em São Paulo, por exemplo, se outro companheiro quiser disputar comigo, vou para uma prévia. Não descarto essa possibilidade. Agora, temos que fazer das disputas internas um jogo de alto nível. Veja que onde o PT briga e se divide perde a eleição, como é o caso do Rio de Janeiro. Isso é uma lei.

Estado - O senhor compartilha da tese de que se os prefeitos não mostrarem resultados rápidos, o PT vai para o buraco em 2002? Sua eleição, por exemplo, depende do sucesso da administração de Marta Suplicy em São Paulo?

Genoino - Nem tanto ao céu nem tanto à terra. O que mais a gente ouvia na rua quando pedia votos nessa campanha era: "Olhe, pelo amor de Deus, não pisem no tomate". Tinha gente que nunca havia votado no PT, dizendo que daria um voto de confiança em nós. Para mim, as administrações têm papel fundamental porque vamos governar pólos estratégicos. Mas a eleição de 2002 tem certa autonomia. As prefeituras não podem ser reféns de 2002. Só que também não podemos chegar ao poder e não ampliar o eleitorado para além do PT.

Estado - Como ampliar?

Genoino - O PT vai caminhar no fio da navalha: nem pode chegar ao poder como um partido estreito e sectário nem pode construir um projeto que descaracterize suas bandeiras. A grande questão é como vamos construir essa perspectiva de poder de, ao mesmo tempo, ter um pé na sociedade e outro no governo. Ao longo da história do Brasil, ou a esquerda foi para o gueto e foi destruída ou foi cooptada. O PMDB teve uma história brilhante de partido na luta democrática e, quando chegou ao poder, foi uma certa decepção. O PSDB teve um astral, um perfil de partido com amplo diálogo na sociedade. Chegou ao governo e mudou. Então, o PT tem que levar isso muito a sério, deixar claro que tem um lado. A pior coisa para um político é ele não ter lado, é ser um H20, inodoro e incolor.

Estado - E qual é esse lado?

Genoino - Somos da disputa e da negociação e precisamos desatar vários nós, construir pontes com o empresariado nacional e estrangeiro, para quebrar esse medo. Foi um grande acerto, por exemplo, a Marta Suplicy convidar o João Sayad para a Secretaria das Finanças. O PT não pode é repetir no Brasil o que o De la Rúa está fazendo na Argentina. Ele fez oposição ao Menem e está lá, agora, tocando um ajuste ainda pior. Temos que contribuir para diminuir o fosso do apartheid social, a distância entre os mais ricos e os mais pobres. Não podemos errar no combate à corrupção, à impunidade. Precisamos de um modelo de desenvolvimento econômico que nem seja autárquico nem subalterno. E de um modelo de República federativa para valer, porque somos um arremedo de federação. Essa crise das prefeituras e Estados é também a do modelo federativo.

Estado - Quem serão os maiores adversários do PT em 2002 nos planos nacional e estadual?

Genoino - Essa eleição terá uma diferença em relação à de 94 e a de 98. A tendência é a pulverização de candidaturas no primeiro turno, com alianças no segundo, tanto para os Estados como para a Presidência. O grau de unidade da esquerda não é tão grande e o grau de divergência no bloco governista é muito grande. No plano federal, acho que PSDB, PMDB e PFL e, talvez, PPB, devem ter candidatura única. Quanto a nomes, os governistas não têm consenso. Pode ser Tasso (Tasso Jereissatti, governador do Ceará) ou Serra (José Serra, ministro da Saúde), do PSDB. O Serra também pode ser candidato a governador de São Paulo. Se ele for meu adversário, será uma disputa de alto nível, porque eu o admiro. Tomara que seja ele. Tenho relação de amizade, civilizada e de respeito pelo Serra. Nunca vou atacá-lo pessoalmente se ele disputar o governo comigo, assim como não ataco o governador Mário Covas.

Estado - O presidente do PT, José Dirceu, disse ao Estado que gostaria muito de ser secretário de Governo de Marta Suplicy, mas recusou o convite por não poder deixar o comando do partido. Se ele saísse, o senhor teria dificuldade para administrar o PT?

Genoino - Olha, por três pessoas no PT eu faço qualquer coisa: a Marta, o José Dirceu e o Lula. Então, eu disse para o Zé: "Se você for para o secretariado da Marta, topo assumir sem problema nenhum e, se você quiser ficar, estou numa boa para lhe ajudar na presidência do PT, sou solidário com qualquer decisão." O PT tem uma agenda importante daqui para a frente. Ele avaliou essa questão e isso pesou.

Estado - Os moderados vão apresentar uma proposta de prorrogação do mandato de José Dirceu na presidência do PT até janeiro de 2003?

Genoino - Esse debate existe no PT. Compreendo que há muitas tarefas grandes: não podemos errar nas prefeituras que ganhamos e, embora o partido esteja fora, tem papel importante. Depois, temos que equacionar taticamente a eleição de 2002 e, ainda, reformar os estatutos do PT, o que inclui a mudança da estrutura de direção do partido. Mas ainda acho melhor fazer a renovação da direção dentro do prazo regimental, que é novembro de 2001. Só podemos imaginar esse cenário (de prorrogação do mandato de José Dirceu) se houver consenso. Se for para ter disputa, não vale a pena. Pesquisas mostram que uma das coisas que mais prejudicam o PT é a guerra entre facções. As tendências são positivas, mas não podem virar blocos petrificados. Pelo menos têm que ser blocos de gelo que viram água. Não podem ser de pedra porque uma bate na outra e dá faísca (risos).

Estado - Como evitar crise do partido com suas administrações?

Genoino - O PT amadureceu e não vai tutelar as administrações, mas quem foi eleito não pode virar as costas para o partido. É um caminho de mão dupla. O petista que achar que governa sozinho não tem sucesso. É só ver as experiências trágicas de Darci Accorsi em Goiânia, Jacó Bittar em Campinas, Vitor Buaiz no Espírito Santo...

Estado - Mas Vitor Buaiz saiu do PT dizendo que o partido tentava influir na administração dele, com a defesa do corporativismo...

Genoino - Ali os dois lados perderam e foi o abraço dos afogados. O Vitor Buaiz se perdeu ao achar que o mero ajuste e administrativismo ia resolver o problema do governo dele e fez o abraço da morte com a equipe econômica. E também o PT, na guerra, não resolveu.

Estado - A reforma promovida pelo governador do Mato Grosso do Sul, Zeca do PT, é um mero ajuste?

Genoino - Não. Apóio a reforma administrativa do governador Zeca do PT. Acho correto diminuir cargo de confiança, fundir secretarias e órgão públicos. A minha dúvida é o plano de demissão incentivada porque isso é a anti-reforma em qualquer governo. Essa experiência não deu certo no Brasil. Você estimula para sair quem tem chance de disputar no mercado, geralmente saem os melhores e ficam os acomodados. Os que saem muitas vezes montam uma empresa de consultoria e vão prestar serviço terceirizado ao Estado.

Estado - Genoino governador faz reforma administrativa em São Paulo?

Genoino - Faço, dentro desses pressupostos. Se for para melhorar os serviços públicos, a máquina tem que ser chacoalhada, azeitada e reciclada. E o Estado precisa ter centros de excelência para valorizar atividades relacionadas à saúde, educação e segurança pública.

Estado - O senhor já disse que não tem mais o marxismo como referência. Diante disso, as reformas devem ser feitas dentro do capitalismo...

Genoino - O que digo é que o marxismo não é mais uma doutrina acabada, que se segue como se fosse um livrinho. Trabalho no plano dos valores que devem orientar uma sociedade com base na solidariedade, na igualdade, na democratização do mercado e das oportunidades. Uma sociedade assim convive com o lucro, com a propriedade privada, com investimento privado e enriquecimento. Não sou contra os empresários nem contra o lucro e a propriedade privada. Só que essa atividade deve ser feita com distribuição de renda, geração de emprego, combate à miséria. Você faz mudanças no capitalismo, ora via reformas ora via rupturas. É um processo. Não podemos, como pensava a esquerda no passado, delinear de maneira fechada como vai ser o futuro, porque isso é uma camisa-de-força.

Estado - Sua trajetória política vai de um extremo ao outro. O senhor foi guerrilheiro do Araguaia, chegou ao Congresso como xiita e hoje trilha o caminho da moderação. Como o senhor se define?

Genoino - Tudo o que fiz no passado valeu a pena, não me arrependo de nada. Meu primeiro discurso no Parlamento foi "Marx vive" (risos). Aprendi a mudar sem mudar de lado. Não faço política por carreira nem para aumentar minha conta bancária. Faço política porque continuo me apaixonando por valores e me indignando quando vejo preconceito, discriminação, injustiça social. Guardo isso dentro de mim. E continuo militante de esquerda.

Estado - O senhor é um social-democrata no PT?

Genoino - Não. A social-democracia não é paradigma para a esquerda, até porque ela foi vencida e superada ao longo da história. Sou humanista, democrata radical e minha referência são esses valores libertários da história da esquerda. Uma esquerda que também passou pelas experiências do socialismo que a gente deve criticar porque são monolíticas e autoritárias.

Estado - O senhor acredita em Deus?

Genoino - Olha, tenho uma relação de muito respeito por quem tem crença. Tive uma formação religiosa. Quando eu estava em Quixeramobim, no interior do Ceará, fui morar com o padre para poder estudar. Eu era lavrador e saí da roça com 15 anos. Para ter direito a comida e hospedagem, fui ser coroinha e sacristão em Senador Pompeu e Quixeramobim. Se você me perguntar qual é minha religião, digo que é o ser humano. Tenho minhas subjetividades, minhas crenças pessoais, meus sonhos e avisos, que sempre levo em conta.

Estado - Em 1985, Fernando Henrique Cardoso contou que era ateu e perdeu a eleição para a Prefeitura de São Paulo...

Genoino - Não vou mentir para o eleitorado sobre meu passado. Conheço algumas coisas da religião e leio muito a Bíblia. Digo para meus adversários que há dois documentos da Igreja que prezo muito e coloco até no mesmo patamar do Manifesto Comunista: um deles é Os Dez Mandamentos e o outro é o Sermão da Montanha. O mandamento mais importante é não roubarás (risos). E não usar o nome de Deus em vão.

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