1982-2002

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Um sistema falido

O governo até poderá conseguir escapar da convocação de uma CPI para investigar o escândalo Eduardo Jorge. Mas não conseguirá anular o juízo da opinião pública de que o sistema político brasileiro está em decomposição. A degradação vai do topo à base: abrange os três poderes, as três esferas da federação, as estruturas administrativas, as estruturas de serviços públicos, os sistemas de segurança pública etc. A decomposição a que nos referimos diz respeito à vários aspectos: à corrupção, à ineficácia e à não funcionalidade do poder público, a um sistema de privilégios, a um sistema de favorecimentos que transforma os governos em governos para determinados grupos privados, à eficácia do poder público em exaurir fiscalmente a classe média e os pobres e beneficiar os ricos, à eficácia da Justiça em punir o "ladrão de galinha" e de não punir os endinheirados, enfim, a lista é quase interminável.

Mas o par corrupção/impunidade constitui a substância que mais deteriora as instituições e a moralidade. Temos insistido na tese de que a falta do exemplo dos governantes entrelaçada com a ineficácia do poder público, alastra um comportamento social não segundo normas. Se é legítimo o governo doar R$ 1,5 bilhão a Salvatore Cacciola por que não é legítimo alguém assaltar um banco? Se o ex-juiz Nicolau e tantos outros corruptos não são punidos por que Pedro, José, Maria e tantos outros que cometem delitos haveriam de ser punidos? O fato é que na democracia, se o exemplo e a norma não funcionam, o sistema vira anarquia, instaura-se o caos. A fraude e a força tendem cada vez mais a se sobreporem à lei e à boa conduta social.

No Brasil perdeu-se completamente a noção de que governar é promover o bem público, servir de forma justa o bem comum. O sistema político tornou-se um sistema de negócios privados. Em torno de políticos articulam-se sistemas de pequenos a grandes negócios de familiares, amigos e grupos de interesses. Chega a ser chocante a teia de interferências, chantagens, influências e negociatas que se articulam e são articuladas em torno de políticos e funcionários públicos. O emaranhado de negócios que foi revelado pela imprensa no caso Eduardo Jorge apenas ilustra e exemplifica como funciona o poder público no Brasil. Trata-se do velho patrimonialismo sob novas formas.

Nos últimos governos disseminou-se a noção de que governar consiste em promover negócios. As reformas administrativas que esses governos promoveram, dizimaram os poucos centros de excelência que existiam na administração pública. A terceirização da administração público tornou-se, hoje, uma das mais violentas formas de apropriação privada do Estado.

O sistema de governo de negócios conta com uma vasta rede de instrumentos, programas, órgãos e agências. Para exemplificar: seria inimaginável em muitos países desenvolvidos a existência de um BNDES para financiar privatizações e outros projetos de grandes grupos econômicos com dinheiro público. Seria inimaginável também o presidente ou primeiro-ministro de um desses países ordenar a um auxiliar seu o desencadeamento de uma operação para salvar uma empresa privada quebrada, como a Encol. O Japão sofreu recentemente uma aguda crise financeira que provocou a quebra de muitos bancos e corretoras. Não foi feito nenhum Proer e nenhum banco quebrado recebeu qualquer quantia de ienes. A verdade é que no Brasil, os recursos públicos nos ministérios, nas secretarias, nas políticas sociais, na União, nos Estados, nos municípios, nas repartições, nas empresas públicos, sofrem um intenso assédio por parte de certos interesses privados, que se articulam com políticos e com funcionários públicos. Com exceções, claro, mas de modo geral, os governos orientam suas ações para grupos privados e para negócios e não para a primazia do bem comum da sociedade.

O caráter de governo de negócio do poder público se expressa nos três poderes e em toda a federação. Mas se expressa principalmente nos executivos. A situação do Brasil é dramática porque os legislativos não se mostram capazes de produzir reformas que publicizem e tornem o poder público transparente e eficaz. O drama é ainda maior na medida em que o Judiciário passa por uma crise de funcionalidade. Muitos investidores hoje não investem no Brasil por não existirem garantias de previsibilidade legal das regras do jogo. O caos jurídico e o emaranhado de recursos, além de produzirem a impunidade geral, não garantem contratos, protelam as decisões jurídicas por 10, 15, 20 anos, mantêm nas cadeias pessoas que já cumpriram suas penas e garantem a liberdade de muitos Cacciolas.

Há saídas para o Brasil? Teoricamente, sim. Praticamente, é difícil prever. Existem muitas coisas positivas e pessoas honestas. Ocorre que as mudanças dependem de força política. Verifica-se que os escândalos, ao invés de diminuírem, crescem e acumulam perdas. O nosso sistema político e institucional está gangrenado e tende a contaminar todos aqueles que ingressam nele. Os partidos de esquerda e os políticos responsáveis precisam fazer um esforço extraordinário para evitar a contaminação. É preciso definir um programa de reformas que produza uma assepsia completa do sistema e agregar força política capaz de implementá-lo.

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