1982-2002

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O Amapá e o narcotráfico

A CPI do narcotráfico revelou uma assustadora infiltração de organizações de traficantes em todas as esferas do poder público: nos legislativos, no judiciário, em órgãos administrativos e nas das polícias. Os elevados níveis de violência que ocorrem nos principais centros urbanos, comprovadamente, têm como uma das causas o narcotráfico. Em alguns casos ele promove diretamente a violência através de guerras de quadrilhas, disputas de pontos etc.; e em outros, a violência decorre dele na medida em que leva usuários à criminalidade e à marginalização.

O narcotráfico tornou-se hoje um problema mundial por algumas razões: articula um poder econômico forte e ilegal; interfere, principalmente em países em desenvolvimento, em instâncias do poder político; tornou-se causa da criminalidade e da violência; e revela-se como um dos principais corrosivos dos valores morais desestruturando a juventude e muitas famílias. O Brasil passou a ser um dos principais centros do tráfico internacional de drogas. Infelizmente, só agora, a partir do trabalho da CPI, começa-se a tomar consciência da gravidade da situação e a se adotar alguma medida prática para combatê-lo.

Os Estados do Norte — Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia — pela sua condição de proximidade geográfica com os países produtores de cocaína, tornaram-se importantes portais de entrada de droga no Brasil. Era o que fazia a quadrilha de Hildebrando Paschoal, hoje desbaratada. Muitas outras quadrilhas, no entanto, continuam ativas. Com as investigações da CPI do narcotráfico no Amapá, surgiram denúncias e suspeitas de envolvimento com o tráfico de drogas sobre o presidente da Assembléia Legislativa, a presidente do Tribunal de Contas do Estado e sobre mais seis deputados estaduais e empresários locais.

Essas pessoas sobre as quais recaem suspeitas, aliadas a grupos políticos conservadores, articulam a derrubada do governador João Capiberibe (PSB), através de um processo de impeachment na Assembléia, com a acusação de que ele teria aplicado verbas do Fundef para pagar segurança escolar. O governador admite este uso, mas garante que os gastos estão dentro da lei. Na verdade, as motivações dos inimigos de Capiberibe são outras, e de duas ordens. A primeira se relaciona ao fato de que foi o próprio governador quem patrocinou a ida da CPI do narcotráfico ao Amapá. Isto despertou a ira do crime organizado.

A segunda diz respeito ao fato de que o governador limitou os recursos orçamentários da Assembléia Legislativa e dos órgãos do Judiciário. Isto lhe valeu a oposição sistemática dos juízes e da maior parte dos deputados estaduais. A Assembléia e o Judiciário do Amapá estão, proporcionalmente, entre os que recebem mais verbas orçamentárias em comparação com as Assembléias e Judiciários de todos os Estados brasileiros. Na verdade, excessivas dotações orçamentárias para Assembléias e Tribunais de Justiça estaduais são uma situação mais ou menos generalizada em todos os Estados. É precisamente nestes órgãos do poder público onde mais se instituem privilégios, altos salários, caixinhas eleitorais, aposentadorias escandalosas, nepotismo etc. Para se ter uma idéia, um gabinete de um deputado estadual de muitos Estados chega a custar duas ou três vezes mais que o gabinete de um deputado federal. Num país com tantos problemas sociais, carecimentos e falta de recursos, o que se gasta superfulamente para garantir privilégios em legislativos e em órgãos do Judiciário chega a constituir um crime.

Em alguns Estados do Norte e do Nordeste do Brasil há outro problema adicional. Ali vigoram ainda poderosas oligarquias, muitas das quais ligadas à famílias tradicionais. Geralmente elas controlam os poderes políticos, parte do Judiciário, o poder econômico, as empresas que prestam serviços ao poder público e os meios de comunicação locais, como rádio, jornais e TV. Essas oligarquias patrimonialistas transformaram o poder público num sistema de drenagem de recursos para negócios e iniciativas privadas. Muitas delas, quando sentem seus privilégios ameaçados, recorrem até mesmo a atos ilegais e à violência para garanti-los. Alagoas era um caso típico. Em parte, o governador Capiberibe é vítima desses interesses oligárquicos, hoje entrelaçados com o crime.

A situação do Amapá e do governador Capiberibe merece a atenção da opinião pública do centro-sul do país e um acompanhamento do governo federal, do Congresso e dos órgãos de fiscalização como Polícia Federal e Receita. O afastamento do governador significará uma inaceitável afronta à democracia. Aliás, várias pessoas que testemunharam na CPI sofreram atentados e algumas foram assassinadas. Esta ousadia dos criminosos, somada à infiltração do narcotráfico nos organismos públicos, demostra a fragilidade e a vulnerabilidade do Estado para enfrentá-lo. Mas se um governador chegar a ser cassado por combater o narcotráfico e por querer moralizar o Estado, principalmente levando-se em conta a situação de corrupção e de impunidade que vigora no Brasil, estaremos diante de algo tão grave que assumirá a dimensão de um escândalo com repercussões internacionais.

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