1982-2002

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O Brasil e Fujimori

Todo mundo sabe que o Peru vive sob um governo autoritário. Se não há uma ditadura explícita, há um autoritarismo institucionalizado. Alberto Fujimori reescreveu a Constituição segundo sua vontade, reduziu os poderes do Congresso e alterou a composição do Judiciário para que lhe fosse favorável. Conseguiu um terceiro mandato interpretando arbitrarimante a lei eleitoral. Os observadores internacionais que acompanharam as últimas eleições constataram que elas foram fraudadas provocando a retirada da disputa do segundo turno do candidato oposicionista, Alejandro Toledo.

Reeleito Fujimori de forma ilegítima, os Estados Unidos trataram de aprovar a condenação do processo eleitoral peruano na Organização dos Estados Americanos (OEA). A representação do Brasil naquele organismo, instruída pelo governo, agiu como ponta de lança para que se impedisse a condenação. A justificativa dessa atitude foi formulada pelo chanceler Luiz Felipe Lampreia em termos de uma "harmonia entre a defesa da democracia e o princípio da não-ingerência". Na prática, esse argumento funciona como um mero recurso retórico que termina concedendo um aval a um regime autoritário e à fraude eleitoral.

Um posicionamento de condenação política ao caráter não democrático do regime peruano e de repúdio à fraude eleitoral, seja ele emitido pelos Estados Unidos, pela OEA ou pelo Brasil, não pode ser confundido com uma ingerência interna nos assuntos do Peru. É verdade que o termo não-ingerência pode se prestar a uma certa ambigüidade: ele pode ser entendido tanto no sentido de não-influência, quanto de não-intervenção. Ora, na relação entre Estados nacionais independentes, ele precisa ser entendido como princípio de não-intervenção. A não-influência, no sentido estrito do termo, não existe: num mundo marcado cada vez mais pela interdependência, um Estado influi no outro, ainda mais entre vizinhos ou se fazem parte de organismos internacionais comuns, como é o caso da OEA etc. Condenar a fraude eleitoral e o caráter autoritário do regime peruano, tem a mesma equivalência de se condenar qualquer golpe militar desfechado no Paraguai. Isto não representa uma intervenção nos assuntos internos. Não tentar influir política e diplomaticamente ou por outros meios no contexto da relações internacionais, significa posicionar-se num limbo inexistente, que não passa de omissão disfarçada de diplomacia de princípios. Infelizmente, a posição do Brasil em várias questões internacionais tem sido recorrentemente omissa. Além do mais, qualquer país ou grupo de países têm o direito de redefinir suas relações políticas, econômicas e comerciais com um país que se desvia da democracia.

A cobertura que o Brasil está dando ao regime de Fujimori pode ter também outra leitura: tratar-se-ia de uma disputa de área de influência ou de liderança com os Estados Unidos no contexto do continente sul-americano. Ressalte-se que é legítima a pretensão do Brasil de buscar exercer um papel de liderança entre os países sul-americanos e latino-americanos. Mas a busca dessa liderança precisa ser positiva. Deve vincular-se à defesa de valores e interesses. Nenhum país será líder de alguma coisa se não defender valores. Defender os valores da democracia, dos direitos humanos, da justiça social, da preservação do meio ambiente etc., e defender os interesses ligados à exigência de organizações internacionais mais democráticas, de um maior controle do capital financeiro, de um sistema cooperativo que signifique a diminuição da pobreza e as distâncias entre países ricos e pobres é uma condição inerente para o exercício de liderança positiva.

Agora, pretender disputar a liderança com os Estados Unidos escamoteando a defesa da democracia, significa buscar o exercício de uma liderança negativa. Cabe indagar se o Brasil agrega condições de exercer uma liderança positiva quando se sabe que ele tem um déficit de democracia, que tem alguns dos piores indicadores sociais das Américas, que não se esforça para preservar o meio ambiente e que se omite sistematicamente nas mais importantes questões, disputas e impasses internacionais.

Os países latino-americanos, inclusive o Brasil, sofrem graus variados de vieses autoritários. Recente pesquisa da Corporação Latinobarômetro revela que apenas 37% dos habitantes da América Latina estão satisfeitos com a democracia. O Brasil é o país onde a democracia tem menos apoio da população: apenas 39%. Os dados mostram que a democracia precisa ser defendida e qualificada. Eleições livres e limpas, efetiva separação dos poderes, garantia das liberdades e dos direitos individuais, garantia dos direitos humanos e de direitos sociais, equidade e equilíbrio social, são alguns fatores imprescindíveis para se qualificar os regimes democráticos. Desigualdades sociais, uma Justiça que não funciona, violência, narcotráfico, corrupção generalizada, impunidade, concentração de renda, repressão aos movimentos sociais, são alguns dos principais problemas que afetam o desempenho da democracia na América Latina. Para enfrentá-los, além de aprofundar o caráter democrático das instituições, é preciso buscar outro modelo econômico, já que o neolibealismo foi incapaz de trazer mais igualdade.

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