1982-2002

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O PSDB e a ordem

O governo vem dando ênfase na últimas semanas ao discurso da "estabilidade e ordem". O discurso não é novo: remonta ao colonialismo lusitano e manifestou-se já na origem da nossa nacionalidade. No movimento da Independência existia um pequeno grupo de liberais radicais, organizados em torno de Gonçalves Ledo, Clemente Pereira e Januário da Cunha Barbosa. Proclamada a Independência queriam imprimir um conteúdo democrático ao Brasil e legitimidade ao nosso sistema representativo. Acusados de republicanos e de semeadores da anarquia por Bonifácio de Andrada e por D. Pedro, foram presos e deportados. Logo depois o imperador fechou a Constituinte e outorgou a Constituição de 1824. Em reação, parte das províncias do Norte se rebelaram, formando a Confederação do Equador. Esmagados pelas forças imperiais, os líderes dos rebeldes, entre eles Frei Caneca, foram executados.

Em 1831, o movimento liberal de 7 de abril, que levou à abdicação de D. Pedro I, era composto por duas alas: a moderada e a exaltada. Enquanto a primeira propunha reformas da monarquia, a segunda queria reformas liberais radicais e um regime republicano. Acusados de desordeiros e anarquistas, os exaltados foram postos a margem do movimento. A ala moderada traiu a plataforma das reformas e aos poucos os seus principais líderes assumiram posições retrógradas. Com o lema, "o regresso é progresso", fundaram o partido conservador provocando um retrocesso da monárquica com o cancelamento das reformas liberalizantes.

No segundo Império mudou-se de tática. D. Pedro II, ao invés de perseguir seus opositores mais sistemáticos, corrompia-os, convidando-os para o governo. Aliás, o partido liberal, inflamado crítico e defensor de reformas quando na oposição, era mais conservador do que os conservadores quando no governo. Talvez o PSDB de hoje, tenha no partido liberal do Império uma espécie de ancestral. Finalmente, em 1870, surgiu o partido republicano. Inspirado pela filosofia positivista de Augusto Comte, este sim assumiu de forma explícita o discurso da ordem, mas acrescida do progresso. Julgava que na sociedade existiam forças conservadoras, defensoras da ordem e da estabilidade; e forças renovadoras, agentes do progresso e da evolução. Era necessário buscar um equilíbrio entre ambas. Os conservadores sempre preponderaram no partido e, sob a República, deu-se prioridade ao discurso da ordem. O movimento operário, os movimentos sociais urbanos, o anarquismo político depois o comunismo, passaram a ser os novos alvos da retórica conservadora da ordem. Repressão policial, prisões, torturas, exílios e mortes, foram os resultados que o discurso da ordem produziu ao longo da história do Brasil.

Parcela significativa das lideranças do PSDB sentiu por experiência própria o significado do discurso da ordem, no regime militar. Alguns tucanos que hoje estão no poder, parece que assimilaram esse discurso e o incorporaram às suas práticas de governo. Aumentam a repressão aos movimentos sociais, articulam sistemas de informações de natureza policial, resgatam velhas leis autoritárias, propõem novas leis repressivas e desqualificam, ora a oposição política e ora os movimentos reivindicativos. Questionando as crescentes insatisfações e mobilizações da sociedade, que vão de empresários ao MST, de funcionários públicos aos arrozeiros gaúchos, o presidente da República afirmou que a "inquietação é política, não social". Confere-se ao termo "política" uma conotação pejorativa para impingir uma imagem negativa aos movimentos sociais. Com os servidores públicos, o governo não quer negociar, quer derrotá-los. Há, no governo, até quem fale em uso das Forças Armadas para reprimir movimentos sociais. Trata-se da militarização das questões sociais, algo que só é praticado por ditaduras.

O pensador Albert Hirschman, em seu livro A Retórica da Intransigência, nota que o discurso conservador adota três teses: a tese da perversidade, que procura mostrar os efeitos negativos e contraproducentes dos movimentos progressistas por mudanças; a tese da futilidade, que descaracteriza os efeitos das mudanças porque seriam ilusórios, de fachada ou inúteis; e a tese da ameaça, que vê na mudança a destruição de determinados bens ou valores estabelecidos. O atual governo, com variações de sinônimos, vem utilizando as três teses conservadoras. Por exemplo, as propostas da oposição levariam ao caos, a oposição é neoboba, jurássica, e as mobilizações sociais "ameaçam a ordem democrática". Torna-se necessário perguntar, qual ordem democrática? A da corrupção? A dos privilégios? A do capital financeiro de Wall Street, que "quer sangue" e exige que se corte as bolsas dos estudantes, o salário dos professores, as verbas das universidades? A do FMI, que impõe uma sanha fiscalista de aumento de impostos e determina o corte de verbas para as áreas sociais e o arrocho do salário do funcionalismo? Nós da oposição, os movimentos sociais e a opinião pública, todos, queremos uma ordem democrática que não signifique violência, mas que signifique direitos, cidadania e igualdade perante a lei.

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