1982-2002

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O país só muda com voto e movimento social

O sonho de José Genoino Neto, aos 20 anos, era mudar a realidade política e social do Brasil, mesmo que fosse preciso pegar em armas. Filho mais velho de uma família de 11 irmãos, ainda menino, trabalhou na roça com os pais, que continuam vivendo em Quixeramobim, no Ceará. Seu projeto era estudar Filosofia pura em Fortaleza, mas a pura militância na efervescência dos anos 60 o levou a diretoria da União Nacional dos Estudantes (UNE). Após o AI-5, dos nove diretores da UNE apenas ele e outros dois sobreviveram. A clandestinidade, pensou, a partir de 68, era a única saída. Em 70, Genoino integrou o grupo que preparava a Guerrilha do Araguaia. O resultado das manobras da organização de esquerda foi frustrante. Dos 70 membros, 60 acabaram mortos, e Genoino foi capturado antes de entrar em combate. Ele diz que só sobreviveu porque demoraram alguns dias para identificá-lo como guerrilheiro. Cumpriu cinco anos de prisão e ainda sofreu todo tipo de tortura física e psicológica. Aos 54 anos, e exercendo seu quinto mandato como deputado federal pelo PT de São Paulo, Genoino ainda sonha em mudar a realidade política e social do Brasil. Mas agora através do voto, segundo ele, a arma da democracia. Defensor da candidatura de Lula à presidência, Genoino não concorda que o PT é um partido que só tem um candidato ao Planalto. Nessa entrevista à Folha de Londrina, Genoino também fala sobre os pesadelos da tortura, os erros da esquerda e acusa a direita de empobrecer o País e Fernando Henrique de "matar a esperança do povo".

Pergunta - O que motivou sua entrada na vida política?

Genoino - Eu entrei na vida política em 1966, motivado por aquela efervescência da época e também pela minha experiência de vida dentro de uma realidade social de pobreza. Fui forçado a entrar na clandestinidade a partir de 1968 porque como eu outros diretores da UNE estávamos sendo cassados pelas forças da repressão. Dos nove diretores da entidade, na época, somente eu, Jean Marc e Ronald Rocha. Até meados de 1970 eu fiquei circulando no eixo Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre para não ser preso. Em junho de 70 me juntei a outros 70 companheiros que integravam a grupo de preparação da Guerrilha do Araguaia. Éramos muito voluntaristas. Acreditávamos que era possível criar um foco de resistência que poderia se alastrar para o País, na forma de guerrilha do campo. Quando o AI-5 entrou em vigor, sufocando todas as instituições democráticas e as liberdades sindicais, não havia como contrapor a repressão militar ao no meio urbano, a guerrilha no campo foi alternativa para manter a resistência. Mas avaliamos mal. Primeiro, a própria situação da época; segundo, porque era muito difícil nas condições do Brasil aquela luta ser vitoriosa; e terceiro, porque a população nem sabia o que estava acontecendo.

Pergunta - Mas qual era afinal a estratégia de vocês?

Genoino - Realizar o treinamento militar, iniciar a luta armada e só depois fazer a propaganda entre os moradores que viviam naquela região. Na verdade, foi uma experiência heróica. Os companheiros que perderam a vida lutaram como heróis e morreram lutando por um ideal que acreditávamos, mesmo sabendo que aquela luta dificilmente seria vitoriosa.

Pergunta - Qual a comparação que o senhor faz entre o que foi divulgado pela imprensa sobre a Guerrilha do Araguaia e aquilo que realmente vai ficar para a história?

Genoino - Temos que considerar que um fato histórico sempre irá permitir uma análise aberta. Cada lado tem o seu ponto de vista e a sua avaliação sobre o fato histórico. É importante que a população tenha conhecimento do que fez cada um dos lados naquele episódio para que possa fazer uma análise crítica da nossa história, levando em conta o nosso futuro. Penso que é importante um debate sobre a guerrilha do Araguaia e outras ações e atos praticados pela esquerda. E acho que os movimentos de esquerda também têm que fazer sua autocrítica. Sobretudo sobre os erros que cometeu, pois a esquerda teve uma ação heróica, mas uma visão ingênua. Muitos pagaram com a própria vida. A grande lição que tiramos de tudo isso é de que as grandes mudanças devem ser feitas pelas vias democráticas, através do voto, a arma da democracia. Costumo dizer que a gente só transforma o Brasil se tiver um pé no voto e outro no movimento social.

Pergunta - Dos 70 militantes que integravam a guerrilha cerca de 60 foram mortos. Como o senhor conseguiu sair vivo de lá?

Genoino - Porque fui preso longe do meu destacamento quando levava uma mensagem. Como naquela região do Araguaia tinham pessoas vindas de todas as partes do Brasil, fui preso e fiquei alguns dias sem ser identificado como guerrilheiro. Isto porque trabalhávamos na roça como qualquer outro lavrador dali. Um outro fator, é de que a repressão era muito desinformada. Quando eu fui identificado, a minha prisão já era conhecida. Era mais importante para eles continuar me interrogando e torturando, como fizeram durante nove meses, do que simplesmente desaparecer comigo. Fiquei preso de 72 a 77 e cumpri pena em Brasília, São Paulo e depois em Fortaleza.

Pergunta - O que mais marcou o senhor naqueles anos de prisão? Em que momento sentiu que poderia ser eliminado?

Genoino - O meu maior medo foi a simulação de afogamento no Araguaia e o que mais me marcou foi ter visto, na prisão, imagens dos slides dos companheiros que foram mortos durante a guerrilha. Quem passa pela prisão não fica sem levar suas marcas, pois é um período muito difícil. Mas em tudo na vida precisamos tirar as lições. Na prisão aprendi com os companheiros o valor da solidariedade, aprendi a ser otimista e também a confiar no futuro.

Pergunta - O senhor concorda com as ocupações de prédios públicos pelos sem-terra, inclusive mantendo funcionários como reféns? Esse radicalismo não pode ser usado contra o PT nas próximas eleições?

Genoino - O movimento sem-terra é um movimento legítimo. Se eles não pressionam, não ocupam terras improdutivas a reforma agrária não acontece. A reforma agrária é a maior dívida social desses 500 anos. Por isso apoio a luta do MST. Posso, no entanto, ter algumas divergências quando são feitas declarações com as quais eu não concordo. O MST é um movimento social autônomo que não é parte do PT. Nem o PT é o MST nem o MST é o PT. Sem pressão do Movimento Sem-Terra não haverá reforma agrária. Tem sido assim nesses 500 anos. Essa é a lição da nossa história. Eu apoio o MST, mas não quer dizer que eu tenha que concordar com tudo que eles fazem.

Pergunta - Daqui a dois anos teremos eleição para presidente. A esquerda marchará unida diante de tantas crises como essa do PT no Rio de Janeiro?

Genoino - O ideal é que a esquerda permaneça unida depois desse processo das eleições municipais. A esquerda tem que se colocar como uma alternativa de poder. Reconhecemos as divergências que existem em algumas cidades importantes, mas espero que isso seja passageiro.

Pergunta - Apesar do PT desconversar, por enquanto, sobre quem será o candidato do partido para disputar a presidência, tudo leva a crer que Lula será, pela quarta vez consecutiva, o candidato. Não há o risco dele perder novamente e isso marcar ainda mais o PT como o partido que só tem um candidato à presidência?

Genoino - O risco de perder existe em todas as eleições para todos os candidatos. Política sem risco não tem graça. O Lula está em primeiro lugar nas pesquisas e tem uma base eleitoral forte. Por enquanto, vamos aguardar o cenário político após as eleições municipais deste ano para depois avaliar melhor essa questão. O que está claro é que a esquerda não pode abrir mão de ser protagonista de um projeto alternativo. A direita e o centro já governaram demais esse País e são os responsáveis por essa concentração de renda e pela desigualdade social. Quero dizer também, que para nós, Lula não é um problema dentro do PT, mas um nome muito forte. Não quer dizer que não poderemos discutir outros nomes.

Pergunta - Que nomes seriam estes?

Genoino - O PT tem muitos nomes. Temos governadores, senadores, deputados e outros companheiros em condições de entrar nessa disputa.

Pergunta - Pesquisa feita por um jornal de Minas com a bancada federal do PT mostra que a grande maioria dos deputados e senadores só aceita fazer composições para a presidência se o PT (Lula) for o cabeça-de-chapa. Isso não inviabiliza qualquer possibilidade de composição?

Genoino - A esquerda não pode ir para o gueto e nem ser usada apenas para enfeitar, como acessório. A esquerda tem que liderar um projeto político alternativo. É claro que um partido político com a história do PT e com a força que o partido tem é impensável fazer uma aliança para ocupar uma posição inferior. Temos que apresentar ao País posições, propostas e programas. E as pessoas precisam saber quem vai governar, e para quem. Acho que o PT tem essa responsabilidade. Temos que fazer aliança, mas sem alterar essa verdade política.

Pergunta - Ciro Gomes pode prejudicar a candidatura do PT, na medida em que ele pode tomar votos no espaço ocupado pela esquerda? Qual sua opinião sobre ele?

Genoino - Ciro fez parte desse governo que aí está e hoje é um dissidente. Tem feito muitas críticas sobretudo ao modelo econômico, com as quais nós concordamos. Mas o Ciro Gomes, uma pessoa que eu respeito, não tem condições políticas e nem força para realizar as reformas que o País precisa. Ele pode fazer parte desse movimento de mudança, mas não pode ser o protagonista dessas mudanças. Não vejo Ciro como o homem que poderá estancar essa farra com o dinheiro público, que financia empresas estrangeiras com o nosso dinheiro, em detrimento de grupos nacionais. Temos que mostrar para essa parte forte da elite que não é mais possível manter essa exclusão social. É melhor ter um modelo de distribuição de rendas do que continuar com um negócio de morar em fortaleza e andar com carro blindado. O Brasil é um País viável, mas precisa ser viabilizado com política de renda mínima e não com essa política de corrupção que tantos males tem causado. O Ciro pode, no curso das negociações, se aproximar de políticos de centro e aí o País fica na mesma. Não é possível que o nosso dinheiro continue financiando montadoras e multinacionais enquanto o nosso pequeno empresário não tem nenhum tipo de apoio. O capital estrangeiro é bem vindo, mas ele precisa vir aqui para correr o risco do investimento, como o nosso empresariado também corre.

Pergunta - Mas a corrupção, com esse benefício de grupos e empresas, não começa justamente no financiamento das campanhas políticas?

Genoino - Sem dúvida, é na arrecadação dos recursos de campanha que nasce essa promiscuidade e que depois não se sabe o que é dinheiro público ou privado, tornando-se uma farra. Seria importante criar mecanismos para combater esse sistema de corrupção. Primeiro, seria preciso limites de gastos na campanha; segundo, o detentor de mandato eletivo, seja no Executivo ou no Legislativo, só deve ter imunidade para proteger a sua função pública, jamais para protegê-lo de qualquer outro tipo de crime ou de abuso; terceiro, quem ocupa cargo público não pode se esconder no seu sigilo bancário ou fiscal para roubar.

Pergunta - Como estabelecer uma maior correlação de forças dentro do Congresso?

Genoino - É evidente que a elite econômica desse País tem a maioria no Congresso. A oposição tem crescido, mas somos apenas um quinto. É preciso que a população saiba o seguinte: quando se diz que no Congresso tem bandido, ladrão e corrupto, precisamos lembrar que eles não estão aqui porque venceram, foram nomeados, mas eleitos pelo voto popular. O eleitor tem que fazer um exame de consciência na hora de votar. Até porque, senão tivermos essa conscientização do eleitor, nunca vamos transformar e melhorar o nível das instituições. Posso afirmar com absoluta certeza com a experiência de quem cumpre o quinto mandato de que esse Congresso nunca esteve tão ruim, tão desacreditado. Aqui a palavra empenhada já não é honrada. O governo Fernando Henrique transformou o Congresso num poder menor.

Pergunta - A quebra do acordo para a votação do salário mínimo para o senhor foi a gota d’água?

Genoino - Foi um marco na história negativa deste Congresso. Estou aqui há 17 anos e a maioria das votações eu perdi, como a emenda das diretas, quatro anos para o Sarney, as emendas que quebravam o monopólio econômico, a da Previdência, mas nunca tinha visto o Congresso perder a dignidade como na votação do salário mínimo, Na época da ditadura, o senador Nilo Coelho, então presidente do Congresso e homem de confiança do governo militar empenhou sua palavra durante uma negociação. Na votação, seus companheiros do PDS cobraram dele para mudar as regras da votação para não prejudicar o governo, mas ele respondeu que a palavra empenhada tinha que ser honrada e que ele estava ali como presidente do Congresso e não do PDS. Isso ocorreu durante o governo do general Figueiredo. E hoje, o sociólogo Fernando Henrique manda no Congresso com tanto poder que mesmo a palavra empenhada já não vale mais nada.

Pergunta - Mas nesses seus cinco mandatos consecutivos o senhor certamente conviveu com grandes parlamentares tanto de esquerda como direita...

Genoino - Sem dúvida, destaco entre eles Ulisses Guimarães que sempre teve uma grande atuação parlamentar. Tivemos aqui o Afonso Arinos, Jarbas Passarinho, Mário Covas, Lula e outros grandes companheiros da minha bancada, e ainda o João Gilberto e Nelson Jobim Luiz Eduardo Magalhães, e o Maurício Fruet e o Roberto Requião e outros mais do Paraná. Não é do meu tempo, mas eu tenho uma lembrança muito forte do Alencar Furtado, do MDB autêntico. Faltam ao Congresso de hoje estadistas, pessoas que defendam os interesses do País acima dos interesses de governo ou de partidos. Hoje o Congresso está em crise justamente pela falta de parlamentares que tenham essa estatura. O Congresso tem se curvado ao governo e se preocupa apenas em aprovar as medidas provisórias e os projetos de interesse de FHC.

Pergunta - Quais as principais falhas do governo?

Genoino - Para mim, Fernando Henrique provocou três grandes frustrações aos brasileiros: a primeira, com o agravamento da dívida social. O governo dele aumentou o desemprego e diminuiu o investimento social. A Segunda frustração foi a partir do processo de reeleição dele, quando começou a tratar os assuntos de Estado com a moeda do toma lá, da cá, negociando abertamente segundo seus interesses políticos. A terceira frustração é a de que ele matou a esperança e a auto-estima dos brasileiros. A comemoração dos 500 anos foi a coroação de tudo isso. Ao invés de comemorar o descobrimento com suas caras, suas culturas, os 500 anos refletiram a história do Brasil: para o povo, repressão, para a elite, banquete, e para o Estado, proteção militar. Isso é uma vergonha.

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