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O MST e a questão social

O Brasil vive nas últimas semanas um clima de convulsão social. Para combatê-la, o governo federal, em consórcio com governadores, implantou um Estado de Sítio não declarado. O momento síntese da instauração desta situação foi a comemoração do descobrimento, em Porto Seguro. Ali se reproduziram simbolicamente os 500 anos de história do Brasil: o poder em festa, protegido por força militar, enquanto que índios e os deserdados da terra eram mantidos à distância com bombas, cacetes e violência policial. O espetáculo foi tão degradante que repercutiu negativamente em todo o mundo. Mas não foi degradante o suficiente para inibir os áulicos do poder de defenderem tamanho opróbrio. Nem o regime militar havia reprimido movimentos indígenas.

O que se viu na Bahia e o que se viu no Paraná na última semana são cenas de guerra, a mais gritante violação do direito de manifestação, da liberdade de ir e vir. A violência policial produziu mais uma vítima. Não que isto seja novidade no Brasil. Historicamente, os movimentos sociais sempre foram tratados como caso de polícia. O protesto da cidadania nunca foi admitido. A necessidade de manter a concentração da propriedade, da riqueza e da renda gerou a necessidade de manter calado o povo e de reprimi-lo em todo o momento que reivindicasse.

Com o MST, a história se repete. Trata-se de um movimento que luta pela posse da terra, a mais originária e elementar bandeira republicana de todos os povos porque quer garantir propriedade material ao indivíduo, condição inarredável da autonomia de sua personalidade política e de sua liberdade. O republicanismo moderno emergiu, primeiro, da luta dos vassalos medievais, depois, dos servos, pela posse da terra. As revoluções republicanas e democráticas resolveram essa questão no final do século XVIII e ao longo do século XIX ao promoverem reformas agrárias em quase todos os países. O Brasil deve cobrir-se de vergonha por sequer ter resolvido a questão da terra no final do século XX. A proteção governamental, policial e militar da concentração da propriedade e da riqueza explica esse nosso absurdo atraso.

Para justificar a violência policial contra o MST, o governo acusa-o de ser um movimento violento e "fascista". É certo que o MST se equivoca ao depredar prédios públicos e constranger funcionários. Um movimento tão legítimo e de caráter nacional como o é, não deve correr o risco do isolamento e deve prezar o apoio da opinião pública à causa da reforma agrária. Mas acusá-lo de fascista, beira o ridículo. É preciso que a sociedade perceba também que, no Brasil, os oprimidos foram e são infinitamente mansos ante a violência do Estado e dos poderosos. Ou não é violência o que se fez contra os índios quando suas terras foram tomadas por grileiros à custa de mortes, ou quando foram distribuídas por governos a fazendeiros? Ou não é violência quando o Estado garante a posse ilegal de milhares de fazendas a proprietários ricos? Ou não é violência quando o Estado financia projetos fraudulentos através da Sudene, da Sudam, financia usineiros que desviam dinheiro público para outras finalidades? Ou não é violência quando se cobra mais impostos dos pobres para subsidiar os ricos através do BNDES, do Banco do Brasil, da Caixa Federal, do Banco Central e até da Receita? Ou não é verdade que os filhos dos abastados estudam nas universidades públicas enquanto os filhos dos pobres trabalham de dia e pagam universidades privadas à noite? Ou não é verdade que apenas 1% dos mais ricos detêm renda igual aos 50% mais pobres de nossa população? Ou não é violência os bilhões de reais que são desviados pela corrupção? Ou não é violência a impunidade, a falta de segurança e o narcotráfico? Nesses casos, as autoridades se limitam a sentir asco. Não mandam reprimir com forças policiais; não prendem.

A verdade é que o Brasil está feito uma nau Capitânia: caro, ineficaz e sem rumo. A defesa de reformas e de mudanças está caindo no solo estéril das nossas instituições. O Congresso, para repetir as palavras do tribuno gaúcho Silveria Martins, ditas no final do Império, tornou-se uma "câmara de servis". As necessidades e as angústias do povo não ecoam em seus salões. Os movimentos sociais, sem direitos, não são incorporados ao processo democrático. Começam a se mostrar cansados com o sistema político e desiludidos com os partidos. Se nada de enérgico for feito no sentido de reformas profundas, o Brasil corre o risco de ter seus Chiapas, de ter suas rebeliões andinas, de ver o descontentamento tomar as ruas.

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