1982-2002

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América Latina: a democracia bloqueada

O regime democrático, na América Latina, passa por uma evidente crise. O Equador teve o presidente derrubado por uma rebelião das comunidades indígenas e outros setores sociais; a Colômbia vive uma guerra civil prolongada; a Bolívia enfrenta o Estado de Sítio, com choques entre civis e militares; o Peru ameaça mergulhar numa guerra civil; o Paraguai está submetido a um potencial permanente de golpes; a Venezuela teve o seu sistema político tradicional varrido pelo furacão Hugo Chaves; o Uruguai e a Argentina enfrentam crises sociais e econômicas angustiantes; e o Brasil passa por uma dolorosa agonia de suas instituições, que se diluem na corrupção, na paralisia e na ineficácia.

Caudilhismo, oligarquismo, populismo, ditaduras militares e neoliberalismo, a rigor, foram os modelos políticos aplicados na região. Nestes modelos, quando a democracia não foi simplesmente suprimida, ela apresentava elevados déficits de existência. O poder político, de modo geral, foi controlado por elites econômicas, que imprimiram forte conteúdo patrimonialista ao Estado com o fim de promover acumulação privada através de privilégios específicos e de esquemas de concentração de renda e riqueza. Para isso contaram com o poder concentrado na magistratura presidencial, com parlamentos caudatários, verdadeiros simulacros de representação, e com um judiciário subserviente, ineficiente e protetor das elites.

Após uma onda recente de redemocratização, o modelo neoliberal pretendeu desbloquear o velho sistema populista-autárquico através da liberalização comercial e econômica e de algumas reformas voltadas para a estabilização das moedas e para a economia de mercado. Os resultados dessas reformas vêm se revelando desastrosos: recesso econômico, desemprego, salários estagnados, aumento de impostos, desmantelamento dos serviços públicos, privatizações, desnacionalizações, encarecimento dos serviços básicos, aumento da corrupção e empobrecimento dos países e das populações. A finaceirização dessas economias e a manipulação cambial deslocaram somas fantásticas dos setores produtivos para os setores financeiros e para o exterior.

A derrota do peronismo na Argentina, o bom desempenho da frente de esquerda no Uruguai, a vitória dos socialistas no Chile, o fenômeno Chaves na Venezuela, as rebeliões populares nos Andes e o desgaste do governo Fernando Henrique no Brasil, indicam que o eleitorado não está mais disposto a dar o seu aval às reformas neoliberais. Desgraçadamente, isto não significa o desfecho do drama social e político da América Latina. Ocorre que as frentes de esquerda e de centro-esquerda oferecem como alternativa ao modelo neoliberal, um novo modelo econômico, cujos contornos são vagos e, no essencial, voltados para a melhoria do desempenho das políticas sociais. Se isto já é alguma coisa, no entanto, parece ser algo assustadoramente insuficiente.

Tudo indica que a crise da democracia América Latina não se deve apenas aos modelos econômicos, mas também, e fortemente, aos modelos institucionais. É aqui que o bloqueio reside. Até mesmo porque, quanto aos modelos econômicos, sejam eles quais forem, a precariedade de seus resultados, faz com que o eleitorado flutue rapidamente de um modelo a outro. Parece que é na reforma das instituições que deve ser buscado um modelo de democracia mais estável, mais eqüitativa, com mais justiça social, com mais eficácia institucional, com mais distribuição de renda, com um sistema representativo mais autêntico, com um judiciário mais autônomo e mais democrático, com uma Justiça mais igualitária, com partidos mais enraizados, com o poder mais distribuído e com uma estrutura institucional e administrativa menos corrupta e mais transparente.

De modo geral, as instituições dos países da região não garantem efetivamente os direitos dos cidadãos, não garantem os contratos e não garantem a segurança e a aplicação da justiça. O sistema político e administrativo tornou-se um agenciador de privilégios para os estamentos político-partidários e para os altos escalões burocráticos. Privilégios extensíveis a setores privados como bancos, empreiteiras, prestadoras de serviços etc. A inexistência de uma verdadeira separação dos poderes constitucionais bloqueia as mudanças, o jogo das pressões e a representação. E os mecanismos de solução dos conflitos sociais são primitivos e favorecem as elites econômicas.

Para que a democracia na América Latina seja desbloqueada faz-se necessário um processo radical de reformas institucionais e políticas. Até mesmo porque a natureza não democrática e não republicana dessas instituições inviabiliza a eficácia de qualquer programa econômico, por melhor que seja. Hoje, duas experiências de reformas institucionais amplas estão em curso na região. A do Peru, com a ditatorialização das instituições, parece estar entrando em colapso. E a da Venezuela, sobre a qual pesam algumas desconfianças, mas que não teve tempo ainda de mostrar resultados. A crise, no entanto, torna inadiável um programa de reformas das reformas já feitas e de reforma das instituições ainda não reformadas.

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