1982-2002

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A crise moral

As expectativas positivas que se manifestaram na opinião pública na virada do ano parecem estar se dissipando na descrença, na baixa estima e numa falta de referência num conjunto mínimo de valores comuns, o que caracteriza uma espécie de crise moral da sociedade. Essa crise é antiga, mas em determinados momentos ela atinge picos, o que parece ser o caso neste momento. Os picos ocorrem quando se conjuga uma crise das instituições com a crise de perspectiva e de valores da sociedade.

A crise das instituições tem no déficit de funcionalidade e na falta de credibilidade dos três Poderes sua face mais visível. O Congresso, além de maculado pela inconseqüência da convocação extraordinária, vive um momento de paralisia, com a base do governo dividida e com uma pauta que não anda. Os intermitentes escândalos envolvendo deputados e senadores espelham, correta ou incorretamente, a imagem na opinião pública de que o Legislativo se transformou num protetorado de espertalhões. No Executivo, se o presidente vinha recuperando alguns pontos na sua baixa avaliação, o seu envolvimento com a liminar que concedeu aos juízes o auxílio-moradia o submeteu a uma saraivada de críticas que erode os ganhos. Já o Judiciário, além de sua tradicional precariedade, se vê colhido por escândalos revelados pela CPI e mergulha no fundo do poço com o autobenefício do auxílio-moradia. Provocando uma onda de indignação, o auxílio reveste-se do mais alto grau de imoralidade, que chegou a constranger alguns ministros do STF e do STJ. "Como receber auxílio-moradia, se eu tenho casa própria e pago IPTU? É desmoralizante para quem tem a obrigação de dar o bom exemplo", declarou o ministro Edson Vidigal.

É verdade que a discussão do teto salarial dos três Poderes vem se arrastando há mais de um ano. Mas a falta de decisão não pode servir de aval a um casuísmo neopatrimonialista e anti-republicano, que escandaliza toda a sociedade. A autoconcessão do auxílio-moradia e a discussão do teto, ao se imbricarem com a definição do salário mínimo, traduziram-se num problema político: os que têm poder têm meios de garantir para si o razoável ou até o máximo; aos que não têm poder se concede o mínimo ou o precário. Isso faz parte da tradição histórica do Brasil. O poder político funciona como instrumento de privilégios sociais e como promotor das desigualdades, não como agente da eqüidade e da justiça.

Falar da crise das instituições consiste em desfilar um rosário interminável de paralisias e ineficácias do poder público: colapso da segurança pública, falência das instituições de recuperação de menores, rebeliões nas cadeias, falta de obras para prevenir enchentes, anarquia nos transportes públicos, crise na saúde, precariedade de financiamento para a moradia popular, etc. Conjugando com tudo isso, há a persistência da crise econômica, que tem no desemprego e nos baixos salários os aspectos mais incisivos da degradação moral dos indivíduos. Não poder garantir a própria subsistência ou de sua família consiste numa das mais violentas agressões psicológicas a uma pessoa, com todas as outras conseqüências sociais e materiais que daí decorrem. Mesmo que o Brasil cresça entre 3% e 4% neste ano, como indicam algumas previsões, será insuficiente para tirar milhões de pessoas do drama do desemprego.

Por outro lado, dados divulgados pelo IBGE nesta semana revelam uma queda real de 8% do rendimento real dos trabalhadores nos últimos dez anos. O ano passado foi um dos piores: a queda foi de 5,5% em relação ao ano anterior. Em 1999, a perda em São Paulo foi a maior do País, atingindo 7,6%. Praticamente todos os ganhos proporcionados nos primeiros anos do Real desapareceram nas brumas da crise econômica. É evidente que o desemprego somado à queda de rendimentos proporciona uma precarização geral das condições de vida das pessoas, atingindo o consumo, a educação, a saúde, o lazer, etc.

A falta de exemplo dos governantes, o não-funcionamento das instituições e a crise econômica agravam ainda mais a falta de referência em valores morais numa sociedade tradicionalmente acostumada a não respeitar regras e normas coletivas de conduta. Um dos exemplos mais graves do colapso de valores ocorreu no ano passado, quando se deu divulgação acrítica a uma festa promovida pelas emergentes do Rio de Janeiro para comemorar o aniversário de um cão, na qual foram gastos cerca de R$ 200 mil. No mesmo momento, a TV mostrava as violências e atrocidades a que são submetidos os menores nas várias Febems. Outro exemplo de que a coisa vai mal em termos de valores foi trazido a público por uma pesquisa realizada entre os jovens presidiários do Rio de Janeiro: cerca de 80% deles pertencem a famílias que não sofrem necessidades prementes.

Esta crise moral indica que o Brasil precisa ser sacudido por uma grande renovação. Renovação que deve ser obra do governo e da sociedade, da situação e da oposição, dos partidos e das igrejas, das instituições públicas e das organizações sociais. Renovação que deve ser ética, econômica, social, cultural e educacional. Enfim, o Brasil precisa dar-se uma perspectiva, encontrar um caminho, almejar o destino.

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