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Mordaça e intimidação

A liberdade de informação sofre hoje dois processos paralelos de pressão: um se traduz numa forma enviesada de censura e outro, em intimidação pura e simples. No primeiro caso, o movimento está sendo operado pela Lei da Mordaça. A mordaça aos juízes foi aprovada em votação de primeiro turno na Câmara e nos próximos dias será votada em segundo turno. Já a mordaça do Ministério Público não obteve os votos suficientes numa demonstração de que os parlamentares começam a reagir contra este equívoco.

Encaminhada originalmente como um projeto de lei do Executivo, a Lei da Mordaça pretende ampliar o conceito de sigilo legal nas investigações policiais e do Ministério Público e nos processos legais. Os delegados, os Procuradores, os juízes e os Tribunais de Contas seriam proibidos de fornecer informações sobre investigações e sobre a evolução dos processos judiciais. Se o projeto de lei já era um equívoco, a relatora da reforma do Judiciário tratou de aprofundá-lo ao incluí-lo na reforma, transformando-o em matéria constitucional. Trata-se de uma inconseqüência porque as Leis Orgânicas do Ministério Público e da Magistratura e a própria Constituição estabelecem os critérios sobre o que pode e o que não pode ser público nas investigações e nos processos legais. O sigilo legal, a rigor, é uma exceção que visa proteger a intimidade das pessoas e o interesse social, no sentido de não colocar em risco a comunidade.

As lideranças governistas argumentam que a Lei da Mordaça é necessária para garantir os direitos da pessoa humana. Nós da oposição, nunca transigimos na defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana, na defesa das garantias constitucionais e do Estado de Direito. Somos contra que nas investigações criminais e nos processo judiciais se veicule ou se divulgue fatos relativos à vida privada, familiar e íntima dos envolvidos. Pressupomos que fatos divulgados por autoridades devem estar devidamente fundamentados. Mas não se pode confundir o resguardo desses direitos, com a proteção sigilosa da corrupção e de outros crimes. Não podemos fazer das leis uma máscara da censura e um guarda-chuva da impunidade.

No memento em que a corrupção se alastra nas instituições municipais, estaduais e federais; em que o crime organizado e o narcotráfico fincam suas bandeiras em todas as esferas da sociedade; em que a sonegação, a burla da lei e a fraude são praticadas com o status de atividades normais; no memento em que poderosos provocam falências criminosas e são socorridos com dinheiro público; nesse momento tão grave de crise moral e de degradação das instituições, quer-se impedir a divulgação dos atos criminosos de que a sociedade é vítima.

Muitos governistas parecem ter esquecido que na democracia, todo ato político e administrativo dos governantes e dos funcionários públicos é, por natureza, público. A Lei da Mordaça ajudará a aprofundar ainda mais o caráter privado da nossa precária res publica. Num país acostumado à impunidade dos corruptos e dos endinheirados, esquece-se que a transparência é uma exigência democrática, que a publicidade tornou-se um instrumento da elucidação e que a imprensa tornou-se uma aliada da verdade e da justiça.

Erros e excessos de liberdade sempre podem ocorrer. Mas as leis existentes garantem sua reparação. Se o Brasil está mergulhado no engano e no extravio não é por conta desses excessos, mas por causa da impunidade, da injustiça, dos privilégios e da exorbitância do poder. Denúncias que se acumulam indicam que através da corrupção se constituem adegas de vinho de mais de US$ 5 milhões, se manda dinheiro para a Suíça, para paraísos fiscais, se compram casas nos Estados Unidos, mansões nas praias, ilhas, iates, fazendas, apartamentos luxuosos, carros importados, e nada acontece. Enquanto isso, faltam remédios e atendimento hospitalar, falta transporte público, merenda escolar e cesta básica, as cidades estão abanadas no caos e muitas escolas públicas estão reduzidas a escombros.

Se a Lei da Mordaça ameaça a liberdade de informação, a truculência e a intimidação procuram calar a imprensa. Foi o que aconteceu no Pará, onde a maior quadrilha de grilagem de terras seqüestrou e ameaçou o repórter da revista Veja, Klesper Cavalcanti. Foi o que aconteceu em Brasília, onde o editor do Correio Brasilisense, Ricordo Noblat denunciou que elementos ligados ao senador Luís Estevão espacaram seus dois filhos. E é o que está acontecendo em São Paulo onde o jornalista da TV Globo, Chico Pinheiro, vem sofrendo ameaças por ter entrevistado Nicéia Pitta. Enfim, a ousadia dos criminosos intimida testemunhas. Se uma reação dura e eficaz não se fizer sentir, as portas da ordem pública estarão arrombadas e o Brasil se transformará no reino da delinqüência e da corrupção.

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