1982-2002

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O mínimo e o máximo

O reajuste do salário mínimo, na última década, nunca adquiriu um grau de polarização como o deste ano. Não é para menos: o reajuste deixou de ser uma opção meramente técnica para entrelaçar-se com outros fatores tais como, o teto dos três poderes, o acúmulo de salários e aposentadorias no setor público, a perda do poder de compra do mínimo e dos salários em geral, o desemprego, a concentração de renda etc.

O aspecto político mais relevante do problema está na comparação entre mínimo e o teto dos três poderes, que pelo acordo entre os chefes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário ficou fixado em R$ 11.500. O novo teto, para parlamentares e juízes, representa um reajuste de cerca de 43,75%. Se o mesmo percentual fosse aplicado ao mínimo, o seu valor deveria ser de cerca de R$ 194,00. A comparação é válida porque o governo alega que hoje o mínimo é praticado, na maior parte dos casos, no setor público e nas aposentadorias, principalmente de trabalhadores rurais.

Mantido o teto do acordo, sem considerar o fato grave de que com o acúmulo de aposentadorias ele pode chegar em até R$ 23 mil, e reajustar o mínimo num percentual menor do que o concedido aos três poderes, se traduzirá um escândalo moral sem precedentes. Não que haja algo de novo na história: no Brasil, o poder político sempre esteve a serviço da instituição de privilégios das elites e dos políticos. Ocorre que a opinião pública não está mais disposta a tolerar este tipo de abuso. Exige um comportamento republicano dos governantes: ações que levem em conta o interesse público fundadas nos princípios da isonomia, da eqüidade e da justiça. Qualquer decisão equívoca na definição do mínimo e na sua relação com o teto representará uma imensa deslegitimação das instituições políticas.

Vale lembrar que o nosso mínimo é um dos mais baixos do mundo. Os R$ 11.500 do teto eqüivalem a 84 mínimos (de R$ 163), diferença que dificilmente será encontrada em outro país. Dados do PNAD de 1998 indicam que apenas 6,3% dos brasileiros ganham acima de 10 salários mínimos ou de R$ 1.360. Que o salário dos juízes, presidente, parlamentares e demais funcionários públicos merece um reajuste, não há dúvidas. Mas uma decisão republicana, que leve em conta a eqüidade e a justiça, exige que se reajuste mais os salários mais baixos e menos os mais altos. Só assim estaremos revertendo a tendência histórica do poder público como agente de privilégios, de concentração de renda e de manutenção da pobreza.

Se é verdade ou não que o mínimo está adstrito ao setor público é algo que não está demonstrado. O número de trabalhadores com carteira registrada, no setor privado, caiu drasticamente nos últimos anos. Não há nenhum estudo confiavel sobre o que ocorre com os empregos informais. O que se sabe é que o mínimo é uma referência geral básica para todos os salários. Rejustá-lo, visando uma trajetória de recuperação de seus melhores índices históricos e um atendimento das necessidades reais do trabalhador, significa uma pressão moral e real para uma elevação dos baixos patamares salariais que são praticados no Brasil.

Outro argumento que o governo explora para manter o mínimo comprimido consiste em relacioná-lo com as contas da Previdência. Ocorre que o mesmo governo declarou que, no essencial, a reforma previdenciária estava concluída. Trata-se de perguntar que reforma foi essa que não levou em conta a dignidade das aposentadorias. Medidas complementares, como a cobrança de dívidas e combate à sonegação, que poderiam melhorar o caixa da Previdência, não foram adotadas. As próprias contas públicas sofreram ajustes para diminuir o déficit e para garantir o pagamentos dos encargos financeiros. Mas que poder público é esse que se esquece das condições de pobreza de sua população e nada faz para combatê-las?

Ninguém está a exigir que a decrepitude do salário mínimo seja equacionada da noite para o dia. Mas o governo, tendo em mãos uma série de dados econômicos e estatísticos, precisa apresentar à sociedade um plano de metas de recuperação do mínimo. Plano que leve em conta as contas públicas, as diferenças regionais, o setor privado, a cesta básica, os padrões salariais internacionais etc. O Congresso também não pode ficar alheio à elaboração desse plano. Aliás, nos últimos três anos o mínimo foi definido por medida provisória, sem que o Congresso o votasse. Desta vez, contudo, a decisão precisa passar pelo Parlamento.

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