1982-2002

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O Brasil provisório

O argumento de que as medidas provisórias (MPs) são fundamentais para garantir a governabilidade não se sustenta. Estudos acadêmicos mostram que, após a Constituição de 1988, os presidentes têm obtido altos índices de apoio aos seus projetos no Congresso. Conseguiram aprovar algo em torno de 90% das matérias de seu interesse. Ao contrário do que o governo prega, as MPs se tornaram um fator de ingovernabilidade já que geram insegurança e confusão jurídica, seja pela amplitude de matérias sobre as quais incidem seja pela sua ilimitada reedição. O Executivo invade competências exclusivas do Congresso em matérias tributária e orçamentária, o presidente se transformou numa espécie de imperador ou monarca provisório e o cidadão não sabe que leis estão em vigor. Aquele pressuposto liberal e democrático conquistado com armas na mão na guerra civil da Inglaterra em 1642 e confirmado pela Revolução Gloriosa de 1688, de que a lei para entrar em vigor deve ser debatida, votada pelos representantes e amplamente conhecida pelos cidadãos, não se aplica no Brasil do ano 2000. A exorbitância de poderes concentrados no Executivo deixam as nossas instituições longe de um efetivo funcionamento liberal e democrático.

A Câmara e o Senado, a situação e a oposição, haviam produzido um acordo unânime para limitar o uso das MPs. Tratava-se de um texto moderado, exeqüível e aceitável. Na essência, o projeto do acordo permite ao Executivo editar MPs com prazo de validade de 60 dias, prorrogáveis por mais 60. Elimina-se assim a reedição e a possibilidade de modificação da medida provisória. O projeto veda também a edição de MPs sobre direito penal, processual, civil, eleitoral, direitos fundamentais, lei complementar etc. Proíbe também a incidência de MPs sobre matéria constitucional emendada. Ou seja, as Emendas Constitucionais só podem ser regulamentadas por legislação ordinária, aprovada pelo Congresso. Quanto a matérias tributárias, as MPs precisariam respeitar a anterioridade e a anuidade. O projeto garante ao Executivo o poder de legislar por decreto sobre matéria administrativa que não cria despesa. Como se vê, ele garante plenos instrumentos de governabilidade ao mesmo tempo em que limita a invasão das prerrogativas do Congresso restabelecendo, em parte, o equilíbrio entre Executivo e Legislativo. Com isto, o cidadão teria a garantia de não ser surpreendido ao acordar de manhã com a edição ou reedição modificada de MPs que interferem sobre suas condições de vida, sobre a mensalidade da escola de seu filho, sobre o plano de saúde, sobre impostos, salários, remédios etc. O cidadão teria no seu representante um depositário de suas pressões para que defendesse seus interesses. Mas o caldeirão infernal de produção de MPs que tem se transformado o Executivo estabeleceu uma espécie de cassação parcial do mandato de todos os deputados e senadores mutilando a representação política.

Mesmo com todas as garantias que o projeto de consenso conferia ao governo, este decidiu não aceitá-lo. A partir dessa intransigência, parte da maioria governista recuou e buscou um novo acordo com o presidente que, na prática, desmoraliza o Parlamento. Este acordo permite ao Executivo editar MPs sobre matéria constitucional emendada, sobre matéria orçamentária , sobre a Lei de Diretrizes Orçamentárias e sobre direito processual. Os próprios parlamentares consentem assim o aviltamento das prerrogativas do Congresso.

Mas há algo mais grave. Partes da Emenda Constitucional que limita o uso das MPs, já aprovadas pela Câmara e pelo Senado, poderiam ser promulgadas. Esta promulgação parcelada ou fatiada se sustenta num casuísmo inventado pelos governistas que estabelece que as partes de uma Emenda aprovadas pelas duas Casas legislativas podem ser promulgadas em separado da totalidade da Emenda. Este casuísmo foi utilizado para favorecer o governo na Reforma da Previdência quando partes da Emenda da reforma foram promulgadas antes da aprovação da totalidade da Emenda. Na ocasião a oposição manifestou-se contrária a esse procedimento adotado pelo presidente da Câmara, mas foi derrotada tanto no Congresso quanto no STF. Agora, quando o casuísmo se volta contra o governo no caso da Emenda das MPs, ele não é aplicado. Estamos diante de um jogo em que as regras são aplicadas apenas para garantir a vitória do time do governo. Trata-se de um escandaloso arbítrio, inaceitável para o senso democrático.

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