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Qual reforma política?

O tema da reforma política voltou à ordem do dia no Congresso, inclusive, com o apoio do presidente Fernando Henrique. No Senado aprovou, por iniciativa do PFL e do PSDB, pontos de reforma política que se resumem nas seguintes proposituras: proibir coligações nas eleições proporcionais; estabelecer que o prazo de filiação a um partido para concorrer a eleições seja de, no mínimo, quatro anos; instituir a cláusula de barreira de 5% dos votos nacionais para dar a um partido o direito de assento na Câmara e aumentar o número de candidatos por vaga nos partidos. É curioso perceber que estes pontos atingem e praticamente inviabiliza a existência de muitos pequenos partidos. No entanto, nesta semana, foram os três maiores partidos — PSDB, PMDB e PFL — que protagonizaram na Câmara um festival de troca-troca, já tradicional no início de todo ano legislativo, para constituir a maior bancada e abocanhar mais poder. A garimpagem de deputados em outras legendas constitui-se numa fraudação da vontade do eleitor que consigna um deputado de um partido e, depois, o vê transferir-se para outra legenda num jogo sempre obscuro de interesses.

Os grandes partidos e determinados formuladores políticos conseguiram criar na opinião pública a impressão que o problema da governabilidade no Brasil se deve à existência de muitos partidos, à indisciplina partidária e à conseqüente falta de apoio ao governo no Congresso. Recente livro dos professores e pesquisadores da USP, Argelina Figueiredo e Fernando Limongi, Executivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional (Editora FGV), no entanto, desmonta por completo essa suposição comum, que chegou a transformar-se num preconceito nos meios políticos.

Fundamentado em ampla pesquisa, o livro mostra que após a promulgação da Constituição em 1988 os parlamentares votam disciplinados segundo a orientação dos partidos, o governo normalmente aprova o que quer e a vontade do Executivo prevalece sobre o Legislativo. Incidindo a análise desde a promulgação da Constituição até 1999, os pesquisadores identificaram a posição do governo em 297 votações nominais e descobriram que o presidente fez valer os seus interesses em 278 ocasiões. As poucas derrotas sofridas não se deveram à indisciplina parlamentar, mas ao fato de que os projetos do governo não tinham maioria. Sob o governo Fernando Henrique a posição do presidente foi identificada em 166 votações que exigiam quorum qualificado de três quintos. Dessas, o Executivo venceu 151 vezes. Ou seja, nas votações normais, a disciplina da base parlamentar é de 89% e nas votações qualificadas é de 83%. Nas agremiações de esquerda a disciplina é ainda maior. No PT e PDT chega a uma média próxima a 100%. "Há, portando, uma distância enorme entre o que se acredita que sejam os partidos políticos brasileiros na arena parlamentar e o que de fato eles são", concluem os professores.

Outro dado relevante que o livro mostra é a profunda modificação que a Constituição de 88 introduziu na definição do processo legislativo na relação entre Executivo e Congresso. Em termos comparativos, de 1951 a 1964, o Executivo consegui aprovar 52% das leis que propôs. De 1988 a 1999, o Executivo aprovou 78% de suas propostas. No primeiro período, as leis propostas pelo Executivo sobre o total de leis aprovadas foi de 38,2%. No período atual, a mesma relação subiu para 86%. Isto quer dizer que além de obter um alto índice de apoio no Congresso, o Executivo monopolizou a iniciativa da proposição de leis. Os instrumentos que conferiram o predomínio do Executivo sobre o Legislativo são as medidas provisórias, a capacidade do presidente de requerer urgência para as matérias de seu interesse e a limitação da participação do Congresso na elaboração do Orçamento. O Legislativo perdeu muitas de suas prerrogativas normais no sistema presidencialista. Além da hipertrofia do Executivo, o sistema político brasileiro funciona, no processo legislativo, como se fosse parlamentarista sem conceder as contrapartidas parlamentaristas ao Congresso. Assim, este perde duplamente.

À luz desses dados, pode-se afirmar que o sentido da reforma política deve ser bem diverso daquele indicado pelo PFL e PSDB. Em primeiro lugar, é preciso restabelecer um equilíbrio entre Executivo e Legislativo limitando o uso das MPs. Quanto aos partidos, o problema não é a disciplina, mas a fidelidade: o mandato deve pertencer ao partido, permitindo-se a saída parlamentares apenas em casos excepcionais, como fundação de novos partidos e para efeito de registro de candidatura para nova eleição. Outros dois pontos devem ganhar prioridade na reforma política: a limitação da imunidade parlamentar, impedindo que ela acoberte crimes comuns e a alteração da representação dos Estados na Câmara instituindo a proporcionalidade. Sufocar os pequenos partidos, impedir coligações proporcionais etc., é uma reforma política que restringe a democracia e avilta ainda mais a representação da sociedade num Congresso manietado ante um Executivo com poderes excessivos.

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