1982-2002

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Somos uma geração de sobreviventes

Com cinco mandatos de deputado, nos 20 anos de existência do PT, José Genoino só chorou em público duas vezes: na morte de Ulysses Guimarães e agora, ao receber um telefonema de solidariedade do presidente Fernando Henrique Cardoso por causa das acusações do deputado Jair Bolsonaro de que, na prisão, delatou colegas que estiveram com ele na guerrilha do Araguaia. As acusações reacenderam imagens do passado, que mexeram com a vida do cearense Genoino. Ele defende a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência; mas no PT, e fora dele, ninguém dúvida que, caso desista, Lula lutará para fazer de Genoino seu substituto na corrida ao Planalto.

O deputado Jair Bolsonaro, ao acusá-lo de ter delatado companheiros na prisão, à época da ditadura, provocou uma reação contrária de solidariedade ao senhor.

José Genoino: Tenho recebido solidariedade até de pessoas que divergem de mim. Isso é uma lição. Não se pode fazer da política uma arte desligada dos valores humanos, porque senão fica uma coisa cheia de ódio.

Politicamente, qual o efeito dessa acusação?

Genoino: Tenho um desafio e o reconheço publicamente. Estou exposto, sei que vou disputar cargos - como disputei para deputado, posso amanhã disputar cargo mais importante - e o político fica muito exposto. Não quero criar contradição entre minha sinceridade humana e minhas idéias políticas. Separo o que é privado do que é público; mas separar é uma coisa, omitir é outra. Não podemos deixar de ser transparentes.

O senhor se comoveu com o telefonema do presidente Fernando Henrique?

Genoino: Foi um gesto humano. Eu o entendi assim. Foi uma gentileza muito grande.

Isso mexeu com o senhor?

Genoino: Falar da própria experiência na prisão toca porque somos de uma geração de sobreviventes, cujas marcas serão levadas até o fim da vida. São marcas de dor, de um conflito que vivemos na prisão, em que o ser humano se divide em dois: a consciência quer uma coisa e o físico outra. E, nesse fio da navalha, administramos o que podemos falar e o que não podemos. Fala-se o que não vá prejudicar diretamente companheiros, que não ajude a localizá-los. Outras informações você acaba administrando... O ser humano anda no fio da navalha para administrar, na sua consciência, o que pode e o que não pode falar num processo em que ele é dominado inteiramente física e psicologicamente. O duelo é terrível.

Depois que o senhor saiu da prisão, essa questão foi discutida por seus companheiros?

Genoino: Fiquei cinco anos preso. Nesses cinco anos, relatei e ouvi relatos de companheiros. Os companheiros que ficaram mais tempo na cadeia tiveram condições de fazer uma terapia positiva porque a gente trocava experiências do que foi possível resistir e do que não foi possível. Os anos que a gente fica preso contribuem para esse processo de avaliação. Ao sair da cadeia, já tínhamos, mais ou menos, racionalizado o que havia acontecido. Mas sempre que se fala nisso, algo volta, na forma de pesadelo, tormento, feridas.

É possível fazer uma reavaliação da guerrilha?

Genoino: A resistência armada no campo e na cidade era uma resistência a uma situação que não tinha outra saída. O regime era autoritário e violento. As saídas eram: prisão, exílio ou lutar em condições muito desfavoráveis. Foi um heroísmo legítimo, uma coragem necessária, mas dificilmente seríamos vitoriosos. A esquerda foi derrotada porque avaliou mal a conjuntura, a capacidade política e se isolou da população. Essa avaliação crítica é até em homenagem aos que lutaram.

Qual a lição de tudo isso?

Genoino: A de que a democracia vale a pena demais.

Há 20 anos, o senhor falaria, ainda que em tese, em fuzilar um presidente?

Genoino: Nunca falei nem falaria. Há 20 anos, tinha uma posição esquerdista e, em muitas questões, sectária. Entrei aqui no Congresso Nacional adotando esse discurso. Fui mudando sem mudar de lado, resgatando aquilo que para mim é universal na perspectiva de transformar o Brasil e a sociedade: se quero mudar o mundo, tenho de ser mudado. Para mim política é prazer, poema, graça, encantamento. Aprendi isso convivendo com Ullysses Guimarães aqui no Congresso. A política não pode ser prisioneira de um mero interesse ou ideologia.

O senhor está se preparando para ser candidato à presidência da República?

Genoino: Em política, tem-se de se estar preparado para tudo. Vivi cinco mandatos de deputado, estou realizado politicamente. Sei que tenho de estar preparado para disputar um cargo maior. Mas esse cargo, de senador, governador, presidente da República, depende do partido, não depende só de mim. Tenho um candidato à Presidência: Lula.

Qual a principal crítica ao PT, nos 20 anos de fundação?

Genoino: O PT foi uma instituição que deu certo. Nosso desafio é ter um programa de governo capaz de dialogar com segmentos sociais e econômicos para governar o Brasil com o mundo. Temos de pensar um novo modelo de contrato social para o Brasil.

E a briga entre Garotinho e Brizola, quem tem razão?

Genoino: A esquerda não pode se dividir. Lamento que esteja dividida em capitais símbolos do poder: São Paulo, Rio de janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e Salvador. O que me preocupa é que não se está pensando no Rio de Janeiro na sua dimensão nacional, de uma eleição que é o primeiro passo para 2002.

Leia o  artigo publicado na Folha

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