1982-2002

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O sonho do ex-guerrilheiro: tomar SP no voto

Deputado José Genoíno é o primeiro candidato já escolhido em prévias dos partidos. E já está percorrendo o Estado para formar bases em todas as cidades para concretizar seu sonho: conquistar São Paulo

Primeiro candidato oficial a ser lançado à sucessão estadual com 85% de votos da prévia do PT, o deputado José Genoíno Neto está em campanha.

Cearense, 55 anos, mais velho dos 11 filhos de 'seu' Sebastião, agricultor, ainda adolescente foi trabalhar nas frentes contra a seca. Para poder estudar virou coroinha, mas as convicções religiosas foram abaladas pelas leituras do existencialista Jean Paul Sartre e do libertário Albert Camus.

Matriculou-se em Direito e Filosofia sem concluir nenhum curso - foi expulso por motivos políticos. O namoro com a esquerda virou noivado aos 20 anos, quando entrou no Partido Comunista do Brasil, o PCdoB. A parceria o fez cair na clandestinidade e assim que chegou a São Paulo em 1968 para morar numa pensão, atendendo pelo nome de José Geraldo Neto. "Foi a primeira vez que São Paulo me adotou", conta o ex-clandestino, que fazia parte da diretoria da UNE.

A ida ao Araguaia coincidiu com a vitória da seleção brasileira no tricampeonato, em julho de 1970, nos sombrios tempos do slogan "Brasil, ame-o ou deixe-o". Durante dois anos viveu no Araguaia, na preparação da guerrilha, na qual não chegou a lutar. Acabou sendo preso antes.

Genoíno cumpriu cinco anos de cadeia. Rioko era uma japonesinha (nissei) que avistava na janela de um presídio vizinho. A paquera virou namoro por carta e deu em casamento. Ela ficou dois anos presa e ele cinco, entre São Paulo, Brasília e Fortaleza.

Ao sair, em 1977, voltou a São Paulo, onde a mulher morava. "São Paulo me adotou pela segunda vez." Adotou mas não deu moleza - o ex-guerrilheiro foi trabalhar como supervisor de distribuição de cosméticos em supermercados. A vida melhorou quando foi dar aula de História no cursinho Equipe. Em 80, Genoíno estreou no PT. "Sou a sétima ficha do meu diretório, do Butantã".

Candidato em 82, aos 36 anos, votou pela primeira vez e virou deputado federal. "Foi a 3ª vez que São Paulo me adotou."

Com apenas 8% da preferência do eleitorado, detectada pela última pesquisa da Unidade de Pesquisa (UP), ele jura que vai ser adotado pela quarta vez para a posição mais importante do Estado. "Ganhei todas as eleições a que concorri. Ganhei em 67 para presidente do Centro Acadêmico, depois para presidente do Diretório Central dos Estudantes, a terceira para representar o coletivo dos presos políticos na cadeia, e de 82 até agora fui sendo eleito e reeleito com uma votação cada vez maior. Além disso, nunca o PT disputou um cargo majoritário com um patamar tão alto na pesquisa, a gente sempre começou com menos."

O senhor viveu intensamente os sonhos e crises dos anos 60 e 70. O sonho acabou?

Não, eu não consigo viver politicamente sem sonhos. Para mim a política só vale a pena porque ela é a melhor forma de construir sonhos, sonho de uma sociedade igualitária, baseada na solidariedade, na igualdade, na democracia, no ideal de felicidade. Eu nunca deixei de sonhar em construir através da política as melhores possibilidades da sociedade humana. Costumo dizer que a gente muda, mas não muda de lado. O sonho, o ideal de uma sociedade melhor, de constuir um país democrático, justo e com crescimento, tem pautado minha relação com a política. Sou apaixonado pela política porque a política se baseia em valores dos quais não abro mão nem negocio. A política deve se basear na disputa e na negociação e eu gosto muito de convencer as pessoas de que tem de ser assim, através da disputa e da negociação.

Mesmo que tenha de dividir o governo com o PMDB de Quércia ou com o PL dos bispos da Universal e de Francisco Rossi, as alianças que o PT tem procurado?

Minha candidatura está comprometida com aliança de quatro partidos, PT, PC do B, PDT e PSB, queremos coalizão política na chapa, no programa, na campanha e no governo. Nossa aliança é com partidos de esquerda.

A tese da aliança com Quércia e PL está sepultada?

Em São Paulo temos alianças com partidos de esquerda, temos conversas com esses outros no plano nacional. Conversar não faz mal, faz parte da política, conversação e entendimento.

Ter sido deputado mais votado não elimina o fato de o senhor ser migrante, cearense e ex-guerrilheiro. O senhor acha mesmo que consegue ser eleito governador?

Em primeiro lugar São Paulo é o Brasil, aqui não tem cearense, nem paulistano nem mineiro nem gaúcho, aqui tem brasileiro. Em segundo, aprendi a ser um deputado brasileiro, lutei para defender os interesses do Brasil.

Em terceiro, porque minha vida política foi em São Paulo. Quero fazer campanha transparente, com minha história, meus valores, minha visão. E uma campanha apresentando propostas e soluções para São Paulo.

Não atrapalha ser primeiro candidato a ser lançado?

Pelo contrário, ajuda. Foi importante o PT ter antecipado a prévia para outubro pois com o tempo quero construir uma campanha vitoriosa, construir alianças, e não fazê-las na véspera da campanha. Em segundo lugar, temos de discutir as bases de um programa no partido e fora do partido - o coordenador deste programa é o prefeito de Piracica, José Machado,companheiro pelo qual tenho o maior respeito. Terceiro, preciso visitar todo Estado. Já visitei 300 cidades e quero visitar as outras 345, principalmente as pequenas e médias, para quando a campanha começar a gente ter base de visitas, alianças e conversas em todo o Estado.

A baixa popularidade da prefeita Marta Suplicy não atrapalha sua candidatura?

São Paulo está sendo bem testada. Pegamos a administração da cidade que havia sido destruída fisicamente, financeiramente e eticamente. Marta Suplicy está construindo a capacidade de governar São Paulo, pondo serviços em ordem, começando programas sociais. Vamos defender seu governo pois confiamos que seja democrático, transparente, sério, que está invertendo a lógica da exclusão social mesmo com a Prefeitura quebrada.

Campanha política custa dinheiro e deram encrenca no Rio Grande do Sul as supostas contribuições feitas pelo jogo do bicho à campanha do governador Olívio Dutra. O que o senhor pensa disso, como vai levantar dinheiro e ficar longe dessas relações perigosas?

Estou no quinto mandato, vou completar 20 anos como deputado federal. Meu patrimônio não aumentou em nada. Sempre exerci política de maneira transparente, prestando conta de tudo e aceitando ser fiscalizado. Receberei doações de qualquer setor com registro, legalidade e padrão ético, sem nenhuma contrapartida. Em relação a essas tentativas de atingir o PT, acho que se um ou outro filiado errou tem de ser punido. Mas a minha confiança é total no Olívio Dutra e nos governos do PT.

O senhor tem freqüentado desde baile de subúrbio de sargento reformado até as escolas superiores das Forças Armadas. Qual seu plano para a área de segurança?

Sempre fiz política fazendo debate em todos lugares, isso não tem relação direta com ser candidato a governador. Fui votado em todas camadas sociais, em todas as cidades, independentemente de posição política e ideológica.

Acompanho a área de segurança pública desde a Constituição de 88. É um tema que sempre estudei no Congresso. Segurança tem de ser a combinação de três coisas: força, inteligência e relação com as políticas públicas correlatas.

Temos de ter uma política de segurança que combine equipamento, tecnologia, inteligência, força organizada e polícia integrada com as três especialidades, a científica, a civil e a militar integradas no mesmo banco de dados, uma academia básica para todo mundo, só fazendo especialização depois, e um comando único que resgate o princípio da autoridade e a hierarquia.

Quais são suas prioridades?

São Paulo precisa de mais governo, não mais Estado, mas mais iniciativa, liderança e indução. Precisa de um governo voltado para o crescimento econômico com políticas em larga escala e pequena escala que possa integrar as regiões do Estado de São Paulo de acordo com suas vocações, com a diversificação da produção. É preciso assistência técnica e tecnológica e fomento, um banco de fomento que deve ser Nossa Caixa, Nosso Banco, voltado à produção. Precisa de política industrial, para agricultura e agroindústria, para a pequena e média propriedade, este é um eixo fundamental. O atual modelo em São Paulo privilegia privatizações, ajuste fiscal e renegociação da dívida. As cadeias produtivas estão em crise e não se investe em disputa de mercado interno nem externo.Temos um esvaziamento do papel do Estado, hoje se fala do Município ou da União. Temos de recuperar o papel político do governo, democratizar a estrutura.

Como seria sua relação com a Assembléia?

Política é uma relação civilizada com quem está do seu lado e com quem é contra. O PT tem chance de eleger uma grande bancada e vamos trabalhar para isso. E mesmo que não consigamos maioria vamos governar sem negociata, sabendo conversar sem mudar de lado. Sei do lado da mesa em que me sento e não negocio a ética, a democracia e a exclusão social. Temos de ter um governo que defenda a sociedade. Governo não pode ser prisioneiro do jogo do mercado. Na questão das políticas públicas, o Estado de São Paulo atravessou um período de negligência das lideranças em relação a seu papel político, não enfrentou corretamente a guerra fiscal, podia ter jogado um peso mais decisivo na reforma tributária e fiscal, podia ter tido maior liderança em relação a setores econômicos prejudicados por essa abertura burra, que sacrificou setores econômicos fortes na área de tecidos, calçados, máquinas.

Houve evasão de indústrias. São Paulo não conseguiu articular o poder econômico com o poder político, por isso, quando fala mais governo é mais ação. Isso tem de ser feito não só com o PT, mas com o PT e a sociedade, dialogando com setor produtivo.

E as privatizações?

Fizeram privatizações em São Paulo para fazer caixa para o governo, não foram privatizações que viabilizassem estrutura produtiva no Estado, facilitassem a circulação de produtos e a atividade econômica. Não pretendemos reestatizar empresas, mas pretendemos rediscutir alguns contratos, acabar com a farra dos pedágios. E não vamos aceitar privatizar a geração de energia elétrica, água nem a Nossa Caixa.

Como sua cabeça foi mudando através dos anos?

Fui da geração dos anos 60, dos anos de chumbo e da redemocratização. A gente não tem direito de ser pessimista, temos o dever de não frustrar as pessoas. Para mim a luta é uma coisa apaixonante, a indignação com certas coisas tem de ser mantida. Não farei campanha para destruir, vou fazer uma campanha para construir e quero ganhar porque tenho as melhores propostas.

Quando entrei no PT era muito sectário, o PT me mudou e eu também mudo o PT.

Político tem que ter lado e cara, mas não pode ser dono da verdade. Sou de esquerda e a esquerda tem de ser uma força transformadora. Se eu quero mudar o mundo, eu tenho de ser mudado.

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