1982-2002

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O BNDES e o capitalismo sem risco

O governo federal, através do BNDES, está prestes a assaltar o bolso do consumidor para financiar supostos prejuízos que as distribuidoras de energia, recentemente privatizadas, tiveram com a crise do apagão. A imprensa vem informando que um acordo entre o governo e as distribuidoras está praticamente fechado. O acordo prevê que o BNDES financiará as perdas das distribuidoras com um empréstimo de cerca de R$ 4 bilhões a juros que não são os praticados no mercado. Esse dinheiro seria devolvido ao banco estatal com os aumentos extras das tarifas de energia nos próximos anos. Um desses reajustes extraordinários, em média de 5%, já está previsto para breve. Ou seja, o consumidor de energia pagará o empréstimo que as distribuidoras de energia obterão do BNDES.

As antigas empresas estatais foram privatizadas sob a alegação de que não eram eficientes e representavam altos custos para o contribuinte. Mas qual a justificativa, agora, que o governo e os doutrinários do neoliberalismo apresentam para que o consumidor pague a conta dos prejuízos das distribuidoras? E quem pagará a conta dos prejuízos que os consumidores e os setores produtivos tiveram com o racionamento? Certamente não será o governo nem o BNDES.

Como se vê, mudou o discurso e mudaram as regras para muitos, mas não para todos. As reformas liberais valem para os trabalhadores, para a classe média e para boa parte do setor produtivo, principalmente para as pequenas e médias empresas. Estes setores vivem sob a égide da desregulamentação econômica e das relações trabalhistas. Suas relações são de mercado e pagam os altos juros do setor financeiro privado. Mas para o grande capital continua valendo o velho protecionismo do estatismo autárquico. Trata-se de um capitalismo sem risco: o lucro é privado, o prejuízo é público.

Hoje são cada vez mais fortes as suspeitas de que o BNDES é a verdadeira caixa- preta do governo Fernando Henrique. Ao que tudo indica, o BNDES, além de ter financiado as privatizações com juros subsidiados, vem concedendo vultosos empréstimos com juros abaixo dos praticados pelo mercado às empresas privatizadas e a outras grandes empresas nacionais e estrangeiras.

Trata-se de um privilégio inaceitável já que os trabalhadores, a classe média e grande parte do setor produtivo não têm acesso a esse tipo de benefício.

Mas há outras graves implicações nos empréstimos concedidos pelo BNDES ao grande capital. Trata-se de uma espécie de estatização de dívidas privadas.

Ocorre que o BNDES capta recursos em dólar junto ao mercado financeiro externo para emprestá-los em real às grandes empresas. Com essas operações, todos os riscos ficam com o poder público. Em primeiro lugar, o capital privado furta-se, ele próprio, de contratar empréstimos junto ao mercado financeiro externo ou nacional. Com isto, foge das variações e riscos cambiais que correria caso captasse empréstimos no exterior e foge dos altos juros internos. Na outra ponta, o capital financeiro, que concede empréstimos, não corre nenhum risco. Caso uma ou mais dessas empresas que recorrem a empréstimos quebrem, a instituição financeira receberá do BNDES e o prejuízo ficará com o poder público. Ou seja, o contribuinte paga a conta.

O cinismo e a tragédia desse sistema todo é que muitos empresários que continuam mamando nos recursos do Estado se apresentam como fundamentalistas da defesa das reformas liberais.

Não resta dúvida de que todos os setores produtivos, do pequeno, médio e grande capital, e o cidadão comum deveriam ter acesso a adequados sistemas de crédito. A produção não crescerá se não tiver apoio de um sistema acessível de financiamento e fomento. No entanto, a política econômica do governo, pelo alto grau de dependência externa e por inviabilizar a poupança interna, interditou o acesso ao crédito devido aos altos juros. Mas esta interdição não é igualmente distribuída. O grande capital, além de receber as facilidades apontadas acima, chantageia o poder público para obter incentivos e isenções. O que a sociedade não pode aceitar são esses privilégios escandalosos aos grandes, enquanto a maioria da população é chamada a pagar a conta desses benefícios, dos prejuízos dos outros, da crise energética e do ajuste fiscal.

Desta forma, este sistema político e econômico implantado com as reformas conservadoras não é nem justo, nem democrático nem social. É o velho sistema de privilégios que setores da elite sempre tiveram na História do Brasil. A diferença agora é que o privilégio se apresenta com nova plumagem, colorida, tucana, com a alegoria de um discurso liberal e acobertado por mecanismos legais.

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