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Terror, ética e política

Os atentados terroristas nos Estados Unidos e os subseqüentes bombardeios ao Afeganistão, por serem atos cometidos por seres humanos que visam deliberadamente destruir outros seres humanos, suscitam horror e desesperança quanto à evolução civilizatória da humanidade. Existem vários tipos de terrorismo: terrorismo de grupos internos ou externos contra Estados, terrorismo de Estados contra cidadãos, terrorismo de Estados contra outros Estados ou contra grupos de outros Estados. O terrorismo contemporâneo expressa mais ações de grupos religiosos e étnicos contra Estados. No caso dos ataques de grupos islâmicos radicais a objetivos norte-americanos, os motivos, supostamente, derivam da política dos EUA para o conflito Israel-Palestina e da presença norte-americana em países muçulmanos, especialmente na Arábia Saudita. O terrorismo, além de condenável do ponto de vista ético e político, não se abriga em nenhuma legalidade interna ou internacional.

Já a guerra, mesmo condenável do ponto de vista ético, é vista, dependendo das circunstâncias, como um ato legal e legítimo de um Estado. O direito internacional e a própria ONU abrigam, em tese, a legalidade das guerras. Um Estado, por exemplo, tem o direito de se defender da agressão de outro Estado ou de grupos armados. Por isso, em se tratando de relações de força, é necessário fazer uma distinção entre o que é ético e o que é legal. O ético pertence à esfera da ordem valorativa. O legal remete-se à esfera do direito interno e do direito internacional.

Com o advento das armas nucleares e a partir da II Guerra Mundial, a guerra perdeu relevância como ato econômico. Nos séculos XVIII e XIX e nas primeiras décadas do século XX, guerras com objetivos econômicos eram justificadas. É neste sentido que Clausewitz definia a guerra como "a continuidade da política por outros meios". A perda da relevância econômica da guerra, o seu potencial cada vez mais destrutivo e a legitimidade crescente do direito internacional, invalidam, contemporaneamente, a definição de Clausewitz. A rigor, cada vez mais, a única guerra que se abriga na legalidade e na legitimidade é a guerra defensiva. Ou seja, o direito que um Estado tem em se defender da agressão de outro Estado ou de determinados grupos. Num mundo globalizado e interdependente, até mesmo a guerra geoestratégica tende a perder legitimidade.

Torna-se necessário, portanto, estabelecer uma separação entre política e guerra. A política é definida como um processo de mediação entre Estados, entre grupos e entre Estados e grupos sociais. Nela, a palavra, o discurso, a negociação são ações que a definem por excelência. Sem anular os conflitos e as diferenças, a política visa construir acordos e saídas negociadas ou majoritárias para os conflitos. No âmbito internacional, nas relações entre Estados, requer-se cada vez mais a mediação da política e cada vez menos a intervenção da guerra. Mas para que isso se concretize, é necessário, tanto reforçar o direito internacional, como, reconstruir, democratizar e fortalecer instituições internacionais, a exemplo da ONU. Construir um conceito e uma prática de segurança mundial coletiva é um passo imprescindível para que a mediação política prevaleça sobre a guerra. Somente assim o mundo poderá se tornar menos perigoso, mais humano e mais pacífico.

Muitos analistas sustentam a tese de que a estabilidade internacional e global despende da existência de pólos de poder configurados em determinados Estados, capazes de impor uma determinada ordem. Ocorre que vivemos numa época em que o poder relativo dos Estados nacionais sofre um processo de enfraquecimento. Em contrapartida, surgem e se desenvolvem poderes e agências de governabilidade supraestatais e supranacionais. Isto pode sugerir uma nova ordem internacional não mais fundada em duas potências, como era no período da Guerra Fria, ou em uma superpotência, como os Estados Unidos querem o mundo contemporâneo. Claro que nações mais fortes, em qualquer época história, tendem a exercer papéis mais relevantes e poderes mais efetivos.

Mas, hoje, tornou-se possível pensar e articular uma ordem internacional não fundada nos Estados mais fortes, mas numa associação democrática de Estados. Certamente, seria uma ordem, ao mesmo tempo, mais racional e mais democrática. Esta ordem não virá ao sabor dos acontecimentos e das relações de forças entre os Estados. Ela é uma proposta de organização de mundo a ser construída. O seu êxito depende das sociedades civis nacionais, da opinião publica internacional que hoje é um fato, dos partidos políticos e dos estadistas.

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