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IPTU progressivo e bem estar social

Trava-se na cidade de São Paulo uma batalha que definirá as tendências futuras da sociedade brasileira. Ou seja, trata-se de definir se continuaremos sendo os campeões mundiais da péssima distribuição de renda ou se queremos construir uma sociedade justa, eqüitativa, que se desenvolva no sentido da inclusão social, do combate à pobreza, uma das causas da disseminação da violência. As lideranças políticas, a elite paulistana e os movimentos sociais estão todos chamados a se pronunciarem sobre o assunto, pois subjacente a este embate não estará em jogo apenas a situação de São Paulo, mas o problema da justiça tributária no Brasil.

O sistema tributário brasileiro é altamente regressivo — quem tem menos paga mais. Os especialistas são unânimes em afirmar que este é um dos principais fatores de concentração de renda e d mal-estar social. No ano base de 1999, a renda pagou 19% do total de impostos; o consumo, 29,1%; o patrimônio, 3.1%; tributos regulatórios, 4,2; contribuições sociais, 19,9%; e previdenciárias, 17,6%. No Brasil paga-se alta taxação tributária sobre o consumo, cuja linearidade faz com que as famílias de baixa renda, que consomem a maior parte do salário em consumo, paguem proporcionalmente muito mais imposto do que as famílias de alta renda. Dados da Receita Federal, em estudo feito em 1998, indicam que quem recebe até 2 salários paga 13,3% de sua renda em impostos sobre o consumo; de 3 a 5 salários paga 12,38%; de 8 a 10 salários paga 11,17%; de 10 a 15 salários paga 10,69%; de 15 a 20 salários paga 9,91%; de 20 a 30 salários paga 9,13%; e acima de 30 salários, paga 6,94%. Estes dados comprovam o caráter regressivo e concentrador de renda do imposto sobre o consumo.

No Brasil, os altos salários pagam, relativamente, baixo imposto de renda. Quadro comparativo mostra que no ano de 1997 a maior alíquota de Imposto de Renda cobrada no Japão era de 65%; nos EUA, de 46,6%; na Espanha, de 56%; na Dinamarca, de 58,7%; na Alemanha, de 55,9%; e no Brasil, de 27,5%. Neste mesmo ano, no total de impostos arrecadados, o consumo representou, no Japão, 16,5%; nos EUA, 16,7%; na Espanha, 28,9%; na Dinamarca, 33%; na Alemanha, 27,7%; e no Brasil, 44,3%. Isto mostra como, nos países desenvolvidos, o sistema tributário é distributivo tanto no Imposto de Renda quanto no consumo, enquanto no Brasil é concentrador em ambos os casos.

O Estado do bem estar (Welfare State), tipicamente europeu ocidental, construído pela convergência programática entre a social-democracia e o liberalismo social, foi fundado sobre o princípio do distributivismo. Ora, uma das formas mais eficazes que as sociedades européias encontraram para realizar o distributivismo foi através da instituição de sistemas tributários progressivos — quem tem mais paga mais. Chega a ser estranho que a bancada de vereadores do PSDB, partido que ostenta a designação de social-democracia, vacile em aprovar o IPTU progressivo. Negar o princípio da progressividade significa negar o princípio da social-democracia.

A implantação do IPTU progressivo comporta estudos técnicos eficazes para definir alíquotas adequadas e justas e impedir determinados inconvenientes. De modo geral, a proposta que está sendo definida pela Prefeitura de São Paulo isenta de pagamento os imóveis com valor venal de até R$ 65 mil e beneficia as residências com valor venal inferior a R$ 150 mil. Assim, os trabalhadores e a classe média serão beneficiados com o aumento das isenções e com alíquotas e valores menores. A tributação maior se concentrará sobre os 200 mil imóveis de maior valor venal, imóveis de alto padrão, localizados em regiões nobres da cidade, que são também mais beneficiadas pela infra-estrutura urbana.

O IPTU progressivo, constitucionalmente assegurado pelo Estatuto da Cidade, além de introduzir o princípio distributivo e a justiça tributária, representa um passo no sentido de recompor a capacidade orçamentária e de investimento da Prefeitura, que liquidada nas últimas gestões pela corrupção, pelo aumento da dívida municipal e pelo caráter concentrador do pacto federativo. Hoje, por exemplo, São Paulo contribui com 26% de seu PIB em tributos. Somente 2% do Produto fica com a cidade e o resto se concentra no Estado e na União. Na verdade, todos os municípios estão sendo afetados pelas distorções do pacto federativo. Enquanto que da Constituinte de 1988 até o Plano Real tivemos um movimento descentralizador de recursos tributários, o arranjo do Plano Real distribuiu encargos para os Estados e Municípios e concentrou a arrecadação de tributos na União.

Mas o que importa enfatizar aqui é o caráter predatório do sistema fiscal brasileiro. As grandes corporações financeiras e empresariais têm um enorme poder de pressão para arrancar isenções, incentivos e benefícios fiscais. É também nesses ambientes onde mais se sonega, onde mais se pratica a elisão fiscal e onde mais se remete ilegalmente recursos para o exterior. Esta situação não pode continuar. As elites políticas e econômicas precisam perceber que sem um sistema social e fiscal justo e eqüitativo, o Brasil não terá futuro e não alcançará a dignidade de uma vida societária e comunitária fundada no bem estar. O IPTU progressivo é apenas um passo neste sentido.

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