1982-2002

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Congresso de conveniências

A eleição de Ramez Tebet (PMDB) para a presidência do Senado e, por conseqüência, do Congresso não acaba com a crise política, mas a prolonga. Na raiz desta crise está a falta de autonomia do Parlamento frente ao Poder Executivo. O Poder Legislativo está subordinado ao Planalto, serve os seus interesses e é manipulado segundo suas conveniências. Quando convém ao governo, o Congresso é ouvido, consultado. De modo geral, é ignorado. Se servir aos desígnios para melhorar a imagem do presidente da República, o Congresso é criticado e cobrando-se-lhes desempenho e posturas.

Exemplo desse comportamento de conveniência ocorreu quando o presidente da República convocou as lideranças do Congresso e todos os líderes partidários, inclusive da oposição, para discutir as conseqüências dos atentados terroristas nos Estados Unidos. Mas uma semana depois, o Congresso e a sociedade são surpreendidos com a notícia de que o governo brasileiro autorizou a abertura de um escritório do serviço secreto norte-americano no Estado de São Paulo. Além de ferir a nossa soberania, sequer as Comissões de Relações Exteriores da Câmara e do Senado ou qualquer outro órgão do Legislativo foram consultados ou comunicados. Trata-se de uma decisão grave e unilateral do governo, que precisa ser esclarecida.

A escolha de Ramez Tebet para a presidência do Senado, como indicam as evidências e de acordo com informações divulgadas pela imprensa, contou com o apoio do Palácio do Planalto. Depois da cassação de Luiz Estevão, da crise do painel que levou à renúncia dos senadores Antônio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda e do vendaval de denúncias que pesam sobre os ombros do ex-presidente do Senado, Jader Barbalho, esperava-se que aquela Casa escolhesse um presidente de consenso, com legitimidade pública e com trânsito em todos os partidos. Não foi o que aconteceu. A cúpula governista do PMDB e o Palácio do Planalto optaram pelo facciosismo, escolheram um representante de parte, que sequer agrada o conjunto de seu partido.

Deu no que deu. Na primeira sessão do Congresso dirigida pelo novo presidente, Tebet comportou-se mais como representante do governo do que como presidente de um dos poderes da República. Interpretou arbitrariamente o regimento, gerando um tumulto e xingamentos que enfraqueceram a autoridade. Se é verdade que ofensas, tumultos e gritos não são atitudes adequadas à conduta parlamentar é preciso lembrar que as autoridades que dirigem o Parlamento precisam ser isentas, corretas e estar acima das disputas entre maioria e minoria. Na verdade, ao trabalhar nos bastidores para escolher Ramez Tebet, o Planalto queria alguém de sua confiança, que mantivesse o jogo de subordinação do Congresso ao Executivo. Além de não contar com a confiança da oposição, o presidente do Congresso sequer tem respaldo em toda a base governista.

O mesmo já havia ocorrido na escolha de Jader Barbalho: o governo sabia que as denúncias que pesavam sobre ele, o manteriam fraco e sob pressão da opinião pública e da imprensa. Mesmo assim, o presidente Fernando Henrique mobilizou esforços para elegê-lo. Hoje, além de renunciar à presidência do Senado, numa desmoralização completa da instituição que foi coagida a eleger como seu condutor um senador sobre o qual há uma enxurrada de denúncias, Jader Barbalho vê-se diante da possível contingência de renunciar ao próprio mandato. Não tivesse o Planalto manipulado para eleger Jader, o Senado não teria prolongado sua agonia e a crise poderia ter se encerrado com o episódio do painel.

Sem comando e sem liderança, o Congresso tem se transformado, nos últimos meses, numa espécie de delegacia de polícia. Na Câmara, o presidente de uma CPI, das obras incabadas, instrumento cuja principal atividade é investigar, vê-se, praticamente, na condição de investigado. A prometida votação da agenda ética avançou pouco e corre o risco de estagnar. Os temas relevantes para a sociedade, como a reforma tributária, o Orçamento, a crise econômica e a situação internacional são tratados com uma preocupação marginal e não se lhes confere a importância que têm. O próprio debate sobre a sucessão presidencial, particularmente os temas programáticos, que deveriam merecer uma atenção especial dos representantes do povo, não encontra a receptividade merecida no Congresso. Os trabalhos das Comissões da Câmara e do Senado, instâncias relevantes nos Parlamentos das principais democracias do mundo, aqui não merecem atenção e não são prestigiados pelas lideranças do Congresso. As relações políticas interpartidárias e as relações entre maioria e minoria, fundamentais para a funcionalidade do Legislativo, estão esgarçadas porque diluiu-se a base da confiança entre partidos, entre líderes e até mesmo as relações entre grupos de um mesmo partido, principalmente na base governista.

Congresso e governo parece que estão definhando juntos. A política vai sendo apequenada pelas disputas intestinas da base governista em torno do jogo sucessório. O Estado brasileiro, que já vem de longa dessincronia com a sociedade, tende a viver uma situação de paralisia até a instalação do novo governo e do novo Congresso em 2003. Trata-se de desperdício de um tempo enorme, principalmente se levarmos em conta as urgências das dramáticas necessidades da sociedade. Enfim, a sempre protelada realização da reforma política e institucional volta a cobrar seu elevado preço.

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