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Terror e tolerância

O terrorismo, como arma política ou religiosa, merece o mais veemente repúdio de todas as culturas políticas fundadas em princípios éticos e de todas as religiões fundadas em princípios morais. Cause ele o número de mortes que causar, uma ou duas pessoas ou dezenas de milhares, o terrorismo é um ato injustificável e inconseqüente: ele visa apenas alimentar a chama das convicções de quem o pratica e não se importa e não assume responsabilidades com as conseqüências que gera, por mais terríveis que sejam. Nos últimos tempos, pessoas comuns e inocentes, do ponto de vista político ou militar, têm multiplicado o número de vítimas do terror. Pensamos que é com este olhar que devemos avaliar e condenar os atos de terror praticados nos Estados Unidos neste dia 11 de setembro que, sem dúvida, será visto no futuro como o marco trágico da abertura do século XXI.

Mas não podemos nos esquecer que se o terrorismo é condenável, seja ele praticado nos Estados Unidos, em Israel, na Espanha, na Inglaterra ou na Rússia, igualmente condenáveis são também os bombardeios praticados contra as populações do Vietnã, do Iraque, da Palestina ou da Tchetchênia. Por mais improvável que seja o banimento da violência política, étnica e religiosa no futuro próximo, nunca podemos abandonar a posição moral de sua condenação. Isto significaria abrir mão da perspectiva de que as histórias dos povos e a História da humanidade devem ser construídas na base de que o Homem é um ser moral. Nenhum fim, político ou religioso, e nenhum meio podem estar acima da vida de um ser humano.

É com base nesta idéia que atos militares de vingança ou de retaliação que possam vir a ser praticados pelos Estados Unidos se inscreverão na inconseqüência de alimentar ainda mais a espiral de violência que circunda o planeta. Trata-se, isto sim, de identificar os responsáveis pelo planejamento e colaboradores dos terroristas suicidas e de levá-los a julgamento observando as normas da Justiça e do Direito Público, estas sim fundadas nos pressupostos da moralidade. Se os responsáveis se abrigam em algum país, trata-se de exigir e de pressionar para que sejam entregues às autoridades norte-americanas.

As conseqüências dos atentados ao World Trade Center e ao Pentágono revestem-se de uma enorme complexidade. O noticiário dá conta de que nos Estados Unidos e em outros lugares cresce a animosidade contra muçulmanos e árabes. Diante disso, é conveniente semear aos quatro cantos do mundo a lição de tolerância do escritor israelense, Amos Oz: "Que nenhum ser humano decente se esqueça de que a imensa maioria dos árabes e outros muçulmanos não é cúmplice do crime". Aproveitar-se do horror suscitado pelos atentados para disseminar o maniqueismo de que se trata de uma "batalha monumental do bem contra o mal", como disse o presidente George W. Bush, representa uma tentativa indevida de aquinhoar uma posição moral superior para justificar atitudes que podem revestir-se de imoralidade.

O problema é que não basta apenas condenar o terror. É preciso extrair duras lições de sua existência. O terror, em parte, se origina da marginalização, da exclusão da e segregação. O mundo globalizado, hoje, é ao mesmo tempo um mundo excludente. Os Estados Unidos, com o seu universalismo unilateral, é o símbolo mundial da exclusão e da prepotência. Aliás, os Estados Unidos encontram-se num momento de declínio moral e de perda de legitimidade internacional. Há poucos dias, a delegação norte-americana abandonou a Conferência sobre racismo realizada na África do Sul numa demonstração de desprezo pelos outros. Os norte-americanos usaram armas radioativas na intervenção em Kosovo contaminado a população local e os seus próprios soldados. A atual administração vem praticando um festival de arrogância, soberba e isolacionismo. Se Osama bin Laden o Taleban representam o "Grande Satã", é preciso lembrar que foram os americanos que treinaram e armaram esses grupos. A prática de atentados terroristas por extremistas de direita norte-americanos, como o que ocorreu em Oklahoma, em 1995, é um sintoma da fissura moral interna dos EUA.

Os atentados terroristas provaram que a superpotência militar, econômica e tecnológica é tão vulnerável como qualquer outro país. No mundo pós-Guerra Fria, ao que tudo indica, a segurança ou será mundial e coletiva ou não haverá segurança nenhuma. Arsenais nucleares, escudos anti-mísseis e outras armas com tecnologia sofisticada podem mostrar-se impotentes até mesmo diante de um instrumento prosaico e primitivo, como uma faca. Neste sentido, os atentados tendem a mudar o próprio conceito de poder. Vivemos numa época em que o poder não se define mais apenas pelas relações entre Estados. Questões de ordem étnica, religiosa, moral e civilizacional também entram como fatores importantes na definição de relações de poder. O superpoderio econômico, tecnológico e militar revelou-se impotente diante da simplicidade de meia dúzia de fanáticos.

A base de um mundo tolerante e pacífico deve ser construída sobre o reconhecimento de que não há uma única civilização universal, nem mesmo a Ocidental. É preciso reconhecer que vivemos numa pluralidade de civilizações, de culturas, de religiões, de etnias e de modelos políticos e econômicos. O que deve e pode haver em comum entre essas pluralidades são alguns valores e princípios morais. Poderão ser eles, por poucos que sejam, o fermento de um mundo mais solidário e menos excludente. Poderão ser eles também o impulso da consciência de que a Humanidade, na sua diversidade, é única e que todos somos responsáveis uns pelos outros na medida em que dependemos cada vez mais uns dos outros, em todos os sentidos.

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