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A imprensa divulgou no decorrer da semana levantamento sobre o funcionamento do Congresso nos dois primeiros anos do governo Fernando Henrique que está sendo realizado pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), órgão de referência de mais de 700 sindicatos, que acompanha a atividade do Parlamento. O levantamento abre a discussão sobre quais os critérios que devem ser utilizados para avaliar o Congresso, se só quantitativos ou também políticos. Além disso, o estudo do Diap permite a contestação da avaliação que o senso comum faz do Congresso e estabelece a necessidade de buscar explicações mais profundas sobre o desgaste da instituição na opinião pública.
Em síntese, a conclusões do Diap são as seguintes: o atual Congresso é o mais dócil ao presidente da República em relação aos presidentes anteriores, ele não é tão fisiológico quanto aparenta e trabalhou mais do que qualquer Legislativo anterior. Só para se ter uma idéia, o atual Congresso aprova, em média, 17 leis por mês do interesse do Executivo. No governo Collor esta média era de 14 e no governo Sarney, de 11. Estes dados desmentem a avaliação popular, reforçada por um discurso que o presidente Fernando Henrique fez no México, de que o Congresso atrapalha o Executivo. Se há algo de que o presidente não pode se queixar é de que este Congresso não lhe tenha favorecido a governança. Outra idéia que cai por terra é a de que os parlamentares não trabalham. Levando-se em conta a natureza do processo legislativo, que é necessariamente demorado e que implica discussão e negociação, a média de leis aprovadas é alta.
Por outro lado, é forçoso registrar que a quantidade de leis aprovadas constitui um dado insuficiente para uma avaliação correta do Congresso. É preciso levar em conta a qualidade das leis e as prioridades que informam sobre as necessidades reais do País. De pouco adianta aprovar uma enormidade de leis se elas não incidem sobre o que é prioritário e estratégico. Outro critério que se deve levar em conta diz respeito à autonomia e capacidade de iniciativa do Congresso. Quando o Diap constata que o atual Congresso é mais dócil do que qualquer outro em relação ao presidente, não se trata de interpor a idéia de que o Legislativo não deve aprovar projetos do interesse do Executivo. Esta, aliás, é uma das condições da governabilidade. Trata-se, sim, de constatar que o atual Congresso não tem autonomia de agenda e que perdeu a capacidade de iniciativa no terreno legislativo. Aos olhos da opinião publica parece, e não sem razão, que tudo depende do Executivo já que este detém quase que o monopólio da iniciativa legislativa. O próprio uso excessivo de medidas provisórias é uma prática que sufoca o desempenho do Congresso.
Se este Congresso apresenta um desempenho positivo, ao menos quantitativamente, como explicar que é uma das instituições que está mais desgastada na opinião pública? Uma resposta mais correta a esta indagação depende de pesquisas qualitativas. Mas, em termos políticos, é possível levantar algumas pistas. Em primeiro lugar, deve-se levar em conta que o Parlamento é o órgão mais exposto e mais transparente dos três poderes da República. Todas as suas falhas e insuficiências repercutem negativamente de forma imediata. O Executivo e o Judiciário, comparativamente, beneficiam-se dessa virtude do Legislativo.
Em segundo lugar, é preciso ter presente que a natureza do Parlamento é plural. Isto não diz respeito apenas ao problema da representação das forças plurais da sociedade, mas ao fato de que a instituição não tem um caráter unitário na sua forma de apresentar-se aos olhos dos cidadãos. Os vários partidos, as vários grupos parlamentares, a diversidade de interesses que se manifestam nas Casas Legislavas lhes conferem, necessariamente, uma feição fragmentária. O cidadão, por seu lado, também se relaciona com o Parlamento fragmentariamente através ou de seu deputado ou pelo partido de sua preferência. Muitos cidadãos sequer têm o seu candidato eleito. Cada parlamentar representa um universo muito pequeno de eleitores se comparado com a representação majoritária do presidente da República.
O Executivo se expressa unitariamente, tanto na sua natureza como nas suas decisões. O Legislativo comporta a pluralidade, a fragmentação, o debate, a polarização, a negociação, a demora etc., fatores que — num ambiente histórico onde o Parlamento nunca foi valorizado, seja pelas suas próprias mazelas ou seja pela cultura autoritária — terminam por pesar negativamente. Para concluir quero dizer que o Congresso está imerso numa tradição viciada e de muitos erros. Por isso precisa de uma reforma profunda para superar sua ineficácia e modernizar-se. Mas, por outro lado, é preciso exigir dos críticos do Congresso que, ao menos, levem em conta sua natureza quando pretendem avaliá-lo. Neste aspecto é importante considerar, também, a crise dos partidos. É um grande equívoco cobrar do Congresso ações e resultados como se ele fosse uma instituição unitária e centralizada.