1982-2002

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A greve da polícia

A atual onda de movimentos e greves de polícias em vários Estados é a segunda que ocorre nos anos recentes. Em 1997 houve movimentos semelhantes em 12 Estados. Aquele alerta geral de quase nada serviu: o Plano Nacional de Segurança Pública do governo federal é pouco mais que um papel, o Congresso não aprovou leis necessárias para reformar as polícias e os governos dos Estados não adotaram medidas para melhorar os níveis salariais e as condições técnicas e operacionais. No essencial, a insatisfação da polícia tem como pano de fundo a precariedade dos salários e as deterioradas condições de trabalho.

A crise crônica da polícia e da segurança pública é mais uma faceta da falta de definições estratégicas sobre as funções do Estado e da falta de planejamento nos diversos âmbitos de atuação do Poder Público. Em suma, as elites brasileiras nunca se preocuparam em definir as finalidades do Estado e em conferir-lhe os meios necessários para realizá-las. É assim com a polícia, com a energia, com a pesquisa, com a saúde, com a educação, com a defesa nacional, com as relações exteriores, etc. Prevalece a improvisação, o mando pessoal dos políticos, a manipulação política, o uso privado do Estado e aquela velha tradição do desleixo com tudo o que é público e comum.

A manipulação política da polícia por governadores e secretários de Segurança chega a ser escandalosa: sempre que a polícia consegue êxitos no combate ao crime, o fato é capitalizado pelos políticos; sempre que a polícia comete erros, as responsabilidades recaem sobre os policiais e as corporações. Veja-se o caso do massacre do Carandiru: as responsabilidades recaíram unicamente sobre o coronel que comandou a ação. Mas havia um secretário de Segurança que determinou a invasão e era subordinado a um governador.

O sucateamento das polícias e a falta de planejamento estratégico na segurança pública está provocando uma enorme defasagem entre a segurança da sociedade e o crime. Isso revela que o Estado não está cumprindo uma de suas funções fundamentais, que consiste em prover a segurança dos cidadãos. Se a segurança é uma função essencial do Poder Público, a polícia constitui uma carreira típica de Estado e, por decorrência, deve ser dotada de todas as condições materiais e de capacitação para que esse serviço imprescindível à sociedade seja adequadamente fornecido. Quando o policial é mal remunerado, mal equipado e mal preparado, não se desrespeitam apenas os policiais, mas o conjunto da sociedade, que paga impostos e não tem retorno em serviços públicos.

A atividade de polícia é de alto risco. Mas há hoje também uma defasagem entre o risco e o salário, entre o risco e as condições técnicas e materiais de operação das polícias. A atividade de alto risco deve ter uma contrapartida em termos de recompensa salarial e formas de assistência pública a esses servidores. Assim, as reivindicações das polícias são justas. O problema são os meios com que são encaminhadas. Greves de corpos de funcionários públicos armados são inadmissíveis. Em primeiro lugar, pelo princípio de hierarquia e disciplina que estrutura essas corporações. Em segundo lugar, pelo poder de coação e de pressão desigual que as armas exercem. As polícias, no entanto, devem ter o direito de associação e sindicalização inerente a outras categorias de funcionários públicos.

É verdade que os graves problemas de segurança pública têm uma interface na crise social. Mas a segurança pública e a atividade policial são, também, funções específicas de planejamento e uso de força, que devem ser tratadas enquanto tal. A abordagem da segurança pública meramente pela crise social é reducionista e protelatória, não apresenta soluções. A abordagem da segurança pública pela via da truculência policial já se comprovou ineficiente, desastrosa e criminosa.

Hoje é preciso dar ênfase a uma nova política de segurança pública que focalize:

a valorização e a capacitação do policial em termos salariais, de qualificação e de equipamento; a segurança, a partir de um planejamento estratégico, diagnósticos precisos, projetos racionais orientados para a prevenção e avaliação permanente dos resultados; a segurança pública deve ter enfoques interdisciplinares e multidimensionais, com o envolvimento de outras áreas de ação governamental e outras secretarias de Estado; a sociedade deve ser envolvida nas políticas de segurança pública e a polícia deve ser estruturada para ser uma polícia comunitária; e o planejamento deve ser territorializado por bairros e municípios, levando em conta a especificidade das comunidades e as tipologias dos crimes e das organizações criminais.

Integrar as polícias - sem, contudo, unificá-las - por meio de um planejamento comum e cadastro único é uma exigência de eficiência. Por outro lado, Polícia Civil e Polícia Militar têm funções constitucionais e legais específicas e diferenciadas. Muitas delas estão, hoje, superpostas e outras não estão sendo exercidas. É necessário que a autoridade governamental faça cumprir as atribuições específicas de cada polícia. Policiamento preventivo e ostensivo, polícia científica e polícia judiciária são funções que precisam ser mais bem delimitadas. No âmbito da investigação e da prevenção, a eficiência não está na alcagüetagem, na tortura ou na truculência, mas na dotação técnica e científica da polícia e no planejamento estratégico da segurança.

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