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A crise de energia e a cana

A história recente da produção de álcool combustível a partir da cana é um exemplo ilustrativo de como os governos, no Brasil, levam, em pouco tempo, setores produtivos aos céus e depois ao inferno. Com o Programa Brasileiro de Álcool Combustível lançado na década de 1970, subsídios ao setor e indução governamental, cerca de 90% dos carros produzidos no país eram a álcool. Da noite para o dia, esse processo foi liquidado, chegando-se praticamente a um percentual zero de produção de carros a álcool. Com a dramática crise de energia que o país vive hoje, a importância da cana como matriz energética volta a ser posta na agenda das discussões. Essa história, de qualquer forma, é reveladora de como no Brasil não há planejamento estratégico e de como não se pensa o futuro.  

A exploração industrial da cana gera, entre outros, os seguintes produtos: o açúcar, a aguardente, o álcool e energia elétrica a partir do bagaço. Os dois primeiros, além de atenderem o mercado interno, compõem a pauta de exportações. Parte do álcool combustível hoje é destinada ao atendimento da pequena frota remanescente de carros que o usam e, outra parte, é misturada com a gasolina. O bagaço da cana não é utilizado em larga escala para a produção de energia elétrica. Cerca de 70% da energia consumida pela indústria da cana vem do bagaço, a partir de processos de autogeração.

As vantagens da exploração da matriz energética da cana são inúmeras e incontestáveis. Em primeiro lugar, trata-se de uma matriz energética pouco poluente e renovável, substituidora da energia da matriz fóssil, uma das fontes mais poluentes do mundo e causadora do efeito estufa. Em segundo lugar, o Brasil tem a tecnologia mais desenvolvida de produção de álcool em relação a qualquer outro país. Com isso, o país, se apostar na exportação de álcool, açúcar e carros a álcool pode tornar-se competitivo no mercado internacional neste setor. Como decorrência, diminuiria sua dependência externa e melhoraria sua balança comercial. Mas este processo não se implementará se não houver um direcionamento governamental, um planejamento de longo prazo e um pacto entre os setores de toda essa cadeia produtiva.

Quanto à produção de energia elétrica a partir do bagaço, estima-se que há um potencial de produção, em apenas três anos, de cerca de 10% da energia consumida no país. Trata-se de uma alternativa considerável, levando-se em conta que nossa matriz energética é cerca de 90% hidráulica e que abarca elevados custos de produção e a necessidade de enormes investimentos. Mas existem algumas significativas dificuldades de implementar a matriz energética da cana. Por um lado, as tarifas para a co-geração de energia pela agroindústria canavieira não são atrativas. Por outro, e o mais importante, para se ter o bagaço disponível em quantidade para produzir energia seria necessário alavancar a produção de açúcar e, principalmente, de álcool. Aqui, mais uma vez, esbarra-se na falta de política de indução governamental, na falta de planejamento e na necessidade de um acordo entre os agentes da cadeia produtiva da agroindústria da cana. Há que se considerar também o financiamento para a viabilização da matriz energética da cana.

A alavancagem da matriz energética da cana está relacionada com uma série de outros problemas econômicos e sociais relevantes. Não resta dúvida de que, em relação aos anos 70 e 80, as condições de trabalho e a produtividade da agroindústria canavieira progrediram. Aquelas condições subumanas de trabalho dos canaveiros e bóias-frias foram significativamente reduzidas. Houve também avanço no processo de mecanização da colheita da cana, reduzindo-se as queimadas poluidoras.

Mas este último aspecto merece algumas considerações. A agroindústria da cana está entre as que mais emprega mão-de-obra no campo: 700 mil empregos diretos em São Paulo e 2,2 milhões no Brasil. A mecanização da colheita, se traz vantagens para o meio ambiente, é um fator que reduz postos de trabalho. O governo do Estado de São Paulo estabeleceu a proibição das queimadas, mas não ofereceu nenhuma alternativa para os trabalhadores que são desempregados pela mecanização. Existem também pequenos e médios produtores de cana em cujas propriedades a mecanização torna-se impossível, seja pelos seus custos ou seja pelas características acidentadas das terras.

Um governo sério e responsável deveria estabelecer, em consórcio com a iniciativa privada, programas e prazos, tanto para a requalificação e realocação da mão-de-obra quanto para a mudança de culturas produtivas nas terras que não podem ser mecanizadas. A as políticas governamentais autoritárias, impostos sem mediações e negociações, vêm dizimando setores produtivos e postos de trabalho.

A continuidade da modernização produtiva da agroindústria da cana deve ser programada e negociada, visando evitar decorrências sociais negativas. Políticas governamentais responsáveis para o setor, além de orientarem seu desenvolvimento e competitividade, deveriam estabelecer determinadas contrapartidas sociais e ambientais, relativas à empregabilidade e requalificação da mão-de-obra, saúde dos trabalhadores, reflorestamento e preservação de mananciais.

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