1982-2002

Artigos | Projetos | Docs. Partidários

Versão para impressão  | Indicar para amigo

Artigos


O Brasil e a Alca

A necessidade de o Brasil tomar posição em relação à Alca vem pondo em xeque um importante aspecto da nossa tradição histórica: enquanto nação, nunca definimos um projeto ambicioso no contexto internacional e nunca pensamos o nosso lugar no mundo. Em relação à Alca, o atual governo não fugiu desse figurino histórico. Limitou-se a assinar o tratado que previa a implantação da Área de Livre Comércio das Américas para 2005 e deixou que os EUA dessem as cartas quanto às condições e ao cronograma subsequentes. O governo não definiu um projeto para inserir o Brasil na Alca, não mobilizou as forças sociais e produtivas do País nem envolveu a indústria, a agricultura e os trabalhadores para definir interesses e projetar metas e medidas visando a capacitar o País para adquirir condições de competitividade mais vantajosas caso a Alca venha a ser implantada.

O governo só despertou do sono dos omissos no momento em que os EUA propuseram a antecipação da implantação da Alca para 2003. A estratégia inercial do Brasil de fortalecer o Mercosul para negociar com os EUA em melhores condições simplesmente ruiu porque o próprio Mercosul andou para trás. É por conta dessa falta de estratégias e de planejamento que o Brasil chegou a colocar-se diante de duas alternativas precárias: ingressar na Alca sob condições terrivelmente desfavoráveis ou caminhar para o isolamento comercial. Romper esse impasse é uma tarefa que deve ser cobrada do governo e buscada por toda a sociedade.

Nas atuais condições, a Alca favorece quase que exclusivamente os EUA, em detrimento das economias do Brasil e dos demais países do continente. Para os EUA, a Alca significará o acesso a um mercado de milhões de consumidores, novas oportunidades de investimentos de suas empresas e de expansão de seus interesses comerciais. Sem contrapartidas, a agenda de negociação da Alca, por exemplo, não inclui mecanismos democráticos de gestão, fundos de compensação para as economias mais frágeis, como foram utilizados na União Européia, garantias para manutenção da capacidade industrial e agrícola, preservação do meio ambiente e do nível de emprego. A desigualdade de condições pró-EUA será enorme: a economia norte-americana concentra 77% do PIB do Hemisfério, o país possui enormes vantagens em termos de competitividade sistêmica, organização empresarial, capacidade tecnológica, taxa de juros, proteção comercial, etc. No modelo atual da Alca, os EUA querem a liberdade de circulação de seus capitais e de mercadorias, sem abrir e integrar seu mercado de comércio e trabalho com as economias latino-americanas. Além de não quererem incluir a agricultura nas negociações da Alca, os EUA não estão dispostos a negociar suas leis protecionistas.

Para o Brasil, nas atuais condições, a Alca representa mais riscos do que oportunidades. A sua aceitação só se tornará possível quando houver um maior equilíbrio entre os riscos e oportunidades. Numa economia internacionalizada, não se pode acreditar que haja soluções puramente caseiras. Se é verdade que nós não temos um mercado interno plenamente constituído e potencianlizado, é verdade também que dificilmente um país em desenvolvimento poderá crescer a ponto de equacionar seus problemas sociais, de emprego e de salários se não tiver uma política comercial externa agressiva.

Para tornar-se competitivo nos mercados internacionais, além dos graves problemas de infra-estrutura e energia, o Brasil precisa enfrentar três outros problemas cruciais. O primeiro diz respeito ao custo da produção e ao chamado custo Brasil. O custo por tonelada de mercadoria movimentada em nossos portos é mais do que o dobro da média dos portos europeus. Os pedágios das rodovias paulistas, por exemplo, oneram ainda mais as nossas exportações. Por outro lado, a pauta de exportação do Brasil se concentra ainda, esmagadoramente, sobre produtos primários. Para tornar-se competitivo o Brasil precisa mudar de forma drástica a sua planta produtiva, apostando na produção de bens com valor agregado. Em terceiro lugar, a agregação em produtos exportáveis e de consumo de exigências sanitárias, ambientais, sociais e de qualidade são crescentes em todo o mundo. No Brasil não há programas governamentais em parceria com o setor privado que visem ao atendimento dessas exigências. Esse é outro fator que leva a uma crescente perda de competitividade do Brasil e ao aumento da dependência externa, na medida em que, internamente, também surge um consumidor exigente.

Enfrentar suas deficiências internas, definir seus interesses internacionais, negociá-los com eficiência nos fóruns da Alca e da OMC, buscar aliados e parceiros em outros países, resistir às pressões norte-americanas parece que são itens que precisam ser definidos para elaborar uma estratégia mais adequada, tendo em vista nossa inserção na economia internacionalizada. Em suma, se não somos obrigados a aceitar a Alca tal como está posta, precisamos construir alternativas para evitar o isolamento. Também não podemos cair na ingenuidade de acreditar que países como China, Índia e Paquistão serão nossos parceiros comerciais mais significativos que EUA, Europa e América Latina. Ao contrário, aqueles países competem conosco em áreas como calçados e têxteis. O que podemos buscar naqueles países asiáticos são alianças políticas para mudar os termos das relações internacionais e das regras de comércio. O que falta ao Brasil é clareza de objetivos e estratégias para alcançá-los.

Busca no site:
Receba nossos informativos.
Preencha os dados abaixo:
Nome:
E-mail: