1982-2002

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A natureza da crise e as lealdades

A atual crise política é a mais ampla e profunda do período da redemocratização. As crises do impeachment de Collor e dos Anões do Orçamento tinham focos certos e pessoas determinadas. A crise atual tem focos múltiplos e dezenas de pessoas e políticos envolvidos. Os focos se estendem aos três poderes, ao Planalto, ao Senado, à Sudam, à Sudene, ao Banpará, ao TRT/SP, ao Banco Central, ao BNDES, a Ministérios, ao Proer, às privatizações das teles etc. A crise incide em políticos como Antônio Carlos Magalhães, Jader Barbalho, José Roberto Arruda, ex-ministros, ex-diretores do BNDES, diretores e ex-diretores do Banco Central e de fundos de pensão etc. Acrescente-se que a soma de dinheiro público envolvido nas denúncias é tão elevada que não tem precedentes na história recente do país.

Ao contrário do que alguns pensam, a crise atual não representa o estertor de um modelo tradicional de dominação da elites patrimonialistas, que teria sido lacerado por supostas modernizações do Estado. Esta crise é a expressão crua, a face exposta, do modelo de governabilidade montado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Trata-se de um modelo sustentado sobre um condomínio partidário, que tem na troca de favores, na negociata de interesses e no rateio de áreas de influência política e de negócios, a definição de seu esquema funcional e operacional. Este esquema é perfeitamente detectável na montagem dos consórcios das privatizações, na destinação dos ministérios e de órgãos e autarquias federais como Sudene, Sudam, BNDES e assim por diante. O governo foi montando, não com espírito público, mas para atender os interesses do condomínio partidário.

Qual é a origem desse esquema de neopatrimonialismo sofisticado? Ao que tudo indica está na aprovação da emenda da reeleição. A ambição de Fernando Henrique detonou um sistema de concessões a partidos e grupos para além do razoável, derivando daí pressões, barganhas, permissividade, cumplicidade e, por fim, chantagens. O Presidente da República afirmou recentemente que o não apoio da base governista à CPI da corrupção é uma questão de lealdade. Disse bem. O problema é que há lealdades e lealdades.

A lealdade que se percebe em Brasília é quanto à necessidade de manutenção de uma rede de proteção mútua entre o governo e o condomínio partidário governista e entre acusadores e acusados. Todos os dias se lê nos jornais que o governo lança operações para salvar, ora ex-ministros e diretores do BNDES, ora Eduardo Jorge, ora Jader Barbalho, ora ACM, ora determinado ministro ou funcionário de alto escalão, ora pressiona para que um deputado ou senador retire sua assinatura de um requerimento de CPI, ora libera verbas para acalmar a base parlamentar, ora designa um amigo de um político para ocupar um cargo de confiança. Até a própria rendição do juiz Nicolau teria sido previamente negociada. Enfim, é assim que o sistema de governabilidade do PSDB funciona.

A lealdade é necessária porque a queda de um grupo ou de um partido poderia provocar uma queda sistêmica no condomínio. As denúncias articulam uma disputa de espaços e as definições em torno de 2002. Mas por mais aterradoras que sejam as denúncias e as revelações de corrupção, todos estão protegidos pela lealdade sacramentada no compromisso de não investigar através de uma CPI consistente. Quanto aos que estão de fora do sistema político, os empresários que roubaram a Sudam por exemplo, serão salvos pelo habeas corpus e por processos intermináveis.

As sucessivas operações abafa e as cobranças de lealdade são justificadas em nome de altos ideais: a estabilidade econômica, o ajuste fiscal, as reformas, a necessidade de investimentos externos. Esse discurso, no entanto, encobre o apodrecimento das relações políticas e a corrupção multibilionária que ataca os bens e o dinheiro público. Além de um governo fiscalista, que transformou a política numa mera técnica para arranjar recursos visando saldar compromissos com o sistema financeiro internacional, os oito anos de governo Fernando Henrique irão deixar como legado um sistema de democracia predatória, no qual, a articulação dos grupos de interesses políticos e econômicos deram o tom da governabilidade. Em tal sistema, os valores da democracia, entendida também como justiça, eqüidade e espírito público, desaparecem. Há uma crise das finalidades do Estado, mas não há estadistas e líderes políticos autênticos para resolvê-la. Ao que tudo indica, esta crise será empurrada para 2002 quando o povo irá arbitrá-la através do voto.

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