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O desequilíbrio entre o econômico e o social

Um dos principais paradoxos do mundo contemporâneo consiste no enorme descompasso entre desenvolvimento econômico, industrial e tecnológico de um lado, e desenvolvimento humano ou social, de outro. No primeiro caso, verificamos uma produtividade sem precedentes identificada na expansão da indústria, dos serviços, da tecnologia e da riqueza. No segundo caso, a expansão da pobreza e a degradação do meio ambiente comprometem a qualidade de vida da metade dos seres humanos que vivem hoje no planeta e põem em risco a sustentabilidade das futuras gerações.

Este processo de aprofundamento do desequilíbrio entre o econômico e o social está inserido no contexto de alguns fenômenos conhecidos como globalização, ajuste neoliberal, cobrança de dívidas dos países em desenvolvimento e revolução tecnológica e informacional. Os efeitos mais visíveis do descompasso se situam nos países pobres, mas registram-se também indícios de crescimento de pobreza e de outras anomalias sociais nos países ricos. Os fenômenos aqui indicados mantêm uma relação de causa e efeito com o processo de enfraquecimento geral do papel do Estado como agente normativo, integrador e definidor de sentidos civilizatórios das comunidades.

O enfraquecimento do Estado proporcionou a transferência de poderes e de capacidades de orientação e de definição de sentidos para outros agentes. Normalmente, os estudiosos costumam destacar dois grupos de agentes que ascenderam em poder e capacidade: as grandes corporações e industriais, comerciais e financeiras transnacionais e o chamado terceiro setor, composto de ONGs e outras entidades da sociedade civil. Mas, na verdade, o poder se concentrou apenas no primeiro grupo porque é ele que detém a capacidade de operação global e de condicionamento das políticas dos governos dos Estados nacionais e dos governos regionais. O terceiro setor exerce apenas uma influência periférica sobre os governos e desenvolve atividades e projetos que têm uma abrangência limitada e segmentada sobre as comunidades.

Na medida em que o poder, a capacidade de coordenação, de operação e de definição de sentidos se concentram nas corporações transnacinais, inseridas num feroz processo de competitividade por mercados e lucros, é mais ou menos óbvio que a lógica do econômico se imponha sobre o social. A ânsia pela conquista de mercados e a necessidade de realizar lucros rápidos, determinada pelas novas tecnologias, fazem com que as corporações transnacionais imponham um afrouxamento geral do sistema normativo estatal e um enfraquecimento da autoridade pública. Duas conseqüências desse processo: a crise dos valores éticos e morais e a desorientação das identidades comunitárias ou nacionais. Nas sociedades capitalistas e democráticas modernas é razoável supor que existam dois sistemas de éticas e de valores que interagem entre si: um sistema ético e volorativo individual e um sistema ético e moral comum, definido pelo sistema normativo do poder público. O predomínio da lógica do econômico, no entanto, sobrepõe os valores individuais aos valores coletivos. E na medida em que a lógica do econômico é alimentada pela realização do interesse individual egoísta, torna-se compreensível o por que do esgarçamento social, do aumento da pobreza e do crescimento da violência e do crime organizado. A contrapartida do enfraquecimento da norma e da autoridade é o crescimento dos códigos e sistemas de conduta definidos por grupos particulares.

O mais grave desta situação é que o Estado, ao ser gerido por programas e partidos orientados por aquilo que se convencionou chamar de ideário neoliberal, tornou-se agente do seu próprio enfraquecimento e do fortalecimento do poder das corporações transnacionais. Poderíamos identificar essa ação deletéria do poder público e da autoridade em inúmeras ações e programas dos governos tucanos no Brasil e no Estado de São Paulo. A forma como ocorreu a privatização dos serviços de energia, telecomunicações e estradas fez com que o poder público, além de transferir patrimônio subfaturado e perder seu poder regularório, não cobrasse contrapartidas que revertessem em favor da comunidade. Exemplifique-se: na privatização das rodovias paulistas não se cobrou das concessionárias uma contrapartida que implicasse na reforma e manutenção das estradas vicinais e permite-se uma cobrança de pedágio que é o dobro do pedágio cobrado nas rodovias dos Estados Unidos. Neste e em outros casos, o Estado reforça a lógica do econômico e do privado em detrimento do comunitário e do social.

Ou, tome-se o caso da segurança pública e de outras políticas sociais: o ajuste fiscal, orientado para o pagamento de juros e de dívidas determinado pelo FMI e pelo sistema financeiro internacional, impôs cortes nos investimentos necessários em tecnologias e políticas de segurança, em qualificação de pessoal, em expansão dos serviços públicos para a periferia das cidades etc. Decorre daí uma enorme perda do social em favor do econômico e do privado. Perda que significa transferência de recursos de toda a sociedade para as grandes corporações, camuflada pelo discurso do ajuste fiscal. Contra esse modelo perverso vigente, torna-se imperativo buscar um novo modelo de desenvolvimento que articule um equilíbrio entre o econômico e o social.

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