1982-2002

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A Petrobrás e a impunidade

Em Portugal, recentemente, desabou uma ponte provocando a morte de dezenas de pessoas. Dois dias depois, o ministro dos Transportes daquele país perdia o posto, antes mesmo da apuração das responsabilidades administrativas e criminais. Estes mesmos procedimentos não ocorrem no Brasil. Veja-se o caso da Petrobrás. Em pouco tempo, a empresa catalogou um monumental vazamento de óleo na Baía de Guanabara, outro no Paraná, o escândalo da mudança do nome para PetroBrax e a tragédia da plataforma P-36.

Além dos danos ambientais, de mais de R$ 1 bilhão submergidos e gastos com multas, do prejuízo na extração de óleo e na perda de vidas humanas, nada mais aconteceu. Ninguém foi removido. Os processos administrativos e criminais, se andarem, tendem a se arrastar por anos. Por vivermos num sistema presidencialista, o presidente da República, o ministro das Minas e Energia e o diretor da Agência Nacional de Petróleo (ANP) são diretamente responsáveis por esta conivência com a impunidade.

Acidentes com instrumentos de natureza técnica, sejam eles particulares ou públicos ou com serviços e bens públicos, não são manifestações da vontade divina ou obras do acaso. Geralmente, acidentes são conseqüências de imprudências ou de omissões e desleixos. Quando está em risco a segurança das pessoas e o dinheiro público, maior deve ser a responsabilidade dos governantes, dos administradores e dos técnicos com medidas preventivas.

O sistema de impunidade em vigor no Brasil gera omissões, as omissões geram ineficiência e a ineficiência gera acidentes e tragédias. No caso da Petrobrás e da plataforma P-36, a impunidade recua para a administração anterior, de Joel Rennó. Há várias denúncias de que a construção de plataformas sob aquela administração, inclusive esta que jaz no fundo do mar, está envolvida numa série de fraudes contratuais, superfaturamentos e contratos com empresas não qualificadas para construir as plataformas. Até agora ninguém foi punido. Por incrível que pareça, somente nos Estados Unidos há um processo em andamento para investigar as fraudes na construção de plataformas da Petrobrás.

O sistema da impunidade casa-se com a cultura do desleixo, com a aversão ao racionalismo, com a tradição dos privilégios, com a recusa dos padrões de eficiência e com o oportunismo profissional de que fala Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil. As conseqüências deste casamento são as freqüentes falhas graves na prestação de serviços e na administração das coisas públicas e privadas, que vêm suscitando uma série interminável de desastres e tragédias, prejudicando o cidadão, o contribuinte e o consumidor.

Um dos fatores fundamentais para que se introduza no Brasil um padrão de eficiência e qualidade nos serviços e administração pública, no ensino, nas técnicas e no sistema produtivo de bens de consumo implica no combate sistemático à impunidade, à cultura do desleixo, ao apadrinhamento e ao privilégio pessoal. O discurso tucano da modernização é falso porque, além de não enfrentar esses fatores, as supostas reformas modernizantes encobrem um alastramento da impunidade e da ineficiência.

No setor público, as reformas da era tucana não investiram na profissionalização e na qualificação da burocracia, desmantelaram os centros de excelência e entregaram a produção e o gerenciamento de vários serviços a setores da iniciativa privada de duvidosa qualificação, através da chamada terceirização. Aumento de epidemias, falsificação de remédios, tragédias em asilos, acidentes na Petrobrás, falhas nos serviços de energia e telefonia, pedágios caros nas rodovias privatizadas e abandono das rodovias públicas, possibilidade de racionamento de energia e água, crescimento dos casos de corrupção, expansão da violência, etc. são riscos crescentes a que a sociedade vem sendo submetida por conseqüência do alastramento do sistema de impunidade e pela promoção da cultura do desleixo e da ineficiência, camuflada sob um falso discurso da modernização.

O enfraquecimento geral do princípio da autoridade legal, institucional, normativa e representativa assim como evidências de degeneração moral são o corolário do fracasso dessas reformas que semearam o oportunismo, o vale-tudo e o cassino e jogatina financeira. Se há sinais de vigor e de saúde moral e econômica no Brasil, estes se devem à reação e resistência da sociedade civil, dos consumidores, dos trabalhadores e de setores produtivos e empresariais, que buscam novos padrões éticos, de justiça, de solidariedade, de eficiência e de produtividade e que fogem à tradição da impunidade, do privilégio e do desleixo.

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