1982-2002

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Brasil no escuro

Na última semana, finalmente, o governo reconheceu que o Brasil poderá enfrentar em breve um sério problema no fornecimento de energia elétrica. Advertências neste sentido já vinham sendo feitas por especialistas há 3 ou 4 anos. Ao reconhecer a possibilidade da crise de fornecimento, o governo atribui o problema exclusivamente à falta de chuva. É verdade que parte dos reservatórios do centro-sul do país estão com seus estoques de água 20% a baixo da média para esta época do ano. Mas a outra grande verdade é que o governo não se preveniu, não fez os investimentos necessários e fez uma privatização descontrolada do setor de distribuição de energia.

Estes fatores somados acarretam tarifas elevadas para os consumidores, potencializam uma crise de fornecimento e podem provocar o racionamento, com graves conseqüências para os consumidores e para o crescimento da economia. Os serviços das distribuidoras deixam a desejar. Todos sabem que a economia brasileira precisa crescer de forma dramática, não só para atenuar os altos índices de desemprego proporcionados pela política econômica dos últimos governos, mas também para enfrentar os seus históricos problemas sociais e para tornar-se competitiva no mundo globalizado. O descaso com que o governo trata a questão energética demostra a falta de espíritos de estadistas dos nossos governantes e a ausência de planejamento estratégico na condução do Brasil.

Para se ter uma idéia da desaceleração dos investimentos no setor energético basta dizer que na década de 1980 a média foi superior aos US$ 10 bilhões. Já na década de 1990, a média ficou em torno dos US$ 6 bilhões. Em 1987, por exemplo, foram investidos quase US$ 16 bilhões. Em 2000, foram investidos apenas R$ 3 bilhões. A queda nos investimentos vai na contramão do aumento do consumo e das necessidades de incremento de fornecimento para garantir o crescimento da economia.

A perspectiva da falta de energia tende a exasperar ainda mais os preços ao consumidor, que já estão entre os mais caros do mundo. De acordo com o Dieese, em 2000, os preços ao consumidor em São Paulo subiram 12,4% para uma inflação de 7,2%. Nos próximos 4 anos, prevê-se que os preços devem subir em média 10% acima da inflação. Mas algumas estimativas dizem que, em 2003, quando as concessionárias privatizadas que fornecem energia estivarem operando livres da regulamentação estatal, os preços poderão ser até 50% acima dos praticados atualmente. De modo geral, os preços cobrados no Brasil, país com enormes recursos hídricos, são muito superiores aos praticados na Europa e nos Estados Unidos onde se utiliza mais o gás e o óleo combustível, matérias-primas mais caras que a água.

Se a crise de fornecimento vier, os preços poderão sofrer saltos exponenciais. Veja-se o que aconteceu no Estado americano da Califórnia, onde há uma crise de fornecimento de energia: antes da crise, o preço cobrado ao consumidor era de US$ 42 por megawatt/hora. Com a crise, o preço cobrado passou a ser de US$ 180. No Brasil, o contribuinte poderá pagar a conta da imprevidência governamental no setor energético de forma tríplice: pelo aumento dos repasses ao consumidor dos custos de produção, pelos subsídios estatais às empresas do setor e pela trava que o racionamento poderá impor ao crescimento econômico. Além disso, os investidores privados do setor energético cobram do governo uma compensação ante o risco da desvalorização do real em relação ao dólar. Esta conta cambial, em última instância, seria paga pelo consumidor. Ou seja, enquanto o consumidor recebe seus dividendos em real, pagaria a conta da energia numa equivalência em dólar.

Até agora, o governo privatizou o filé do setor energético: as empresas distribuidoras que cobram a conta diretamente do consumidor. Na geração de energia, 80% do setor é estatal. Nenhuma contrapartida produtiva foi cobrada ao setor privado que distribui a energia. Trata-se de uma privatização sem risco e com retorno garantido. Ao consumidor, restou pagar a conta e o risco de ter que ascender a vela. A crise energética indica que é necessário paralisar o programa de privatização das grandes empresas federais de geração de energia como Furnas, Chesf e Eletronorte. A paralisação das privatizações não deve ser feita em nome de uma petição ideológica do embate entre estatismo versus privatização. A privatização deve parar porque seu modelo precisa ser revisto e redefinido à luz de um programa estratégico de investimentos no setor energético.

Se há capitais privados disponíveis para investimentos no setor, eles devem ser direcionados pelo governo para a construção de novas hidrelétricas para gerar mais energias e não para serem empatados nas geradoras que já existem. E para evitar que o consumidor seja ainda mais penalizado, é necessário rever o programa de desregulamentação e liberalização das tarifas. Tanto a crise da Califórnia quanto os preços praticados no Brasil e a perspectiva de racionamento suscitam a dúvida de se é possível implementar um regime de livre mercado no fornecimento de um bem estratégico e vital para a população e ao mesmo tempo escasso, como é o caso da energia.

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